Proc.
N.º 200/2011.BomNascimento .LSBSTA
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Acção
Administrativa de pretensão conexa com actos administrativos
Sentença final
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Data:
23/05/2011
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I - João Bemnascido, BI nº1881777 com validade até 18/05/2013,
NIF 444356247, casado, empresário, com residência na Avenida Duque de Loulé,
nº13, 1000 Lisboa, requereu a presente a acção
administrativa de pretensão conexa com actos administrativos contra a A.R.S.L.V.T. – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP.,
Pessoa Colectiva Pública, com morada na Avenida dos Estados Unidos da América,
nº77, Lisboa, em que é contra interessada a HPP tudo faz, com morada na Avenida
Parteiro Costinha, nº1, Lisboa, com número de licença 98/76.54 e ainda contra o
Conselho de Ministros, pessoa
colectiva pública, sita na Rua Nossa Senhora de Fátima, nº 5, 1100-016, em
Lisboa.
Para
tal, alega o autor que a decisão do Conselho de Ministros em encerrar a
maternidade Alfredo dos Campos, embora fundamentada na racionalização da rede
hospitalar, apenas visa uma política de cortes ineficientes na área da saúde, o
que se apresenta, no entender deste, como uma situação de desvio de poder. Além
do mais, este acto do Conselho de Ministros seria retroactivo, o que
consubstanciaria uma situação de violação do princípio da proporcionalidade, na
vertente da necessidade e razoabilidade, uma vez que importava uma restrição
inconstitucional do direito à saúde.
Termina
o autor pedindo que sejam declarados nulos quer o acto do Conselho de Ministros
quer o acto do presidente daquele I.P.
Foram os
requeridos, assim como os contra-interessados, regularmente citados.
Os
requeridos, Conselho de Ministros e P.R.S.L.V.T.,I.P., apresentaram contestação
invocando a incompetência absoluta deste tribunal para conhecer do mérito da
causa. Alegam ainda, os requeridos, a inexistência do acto do Conselho de
Ministros, quer por este nunca ter sido praticado, quer pelo facto de o autor
em momento algum, fazer prova da existência do mesmo, existindo antes,
defendem, uma mera ideia, projecto político. Por último, defendem os requeridos
a competência da Administração Regional para a prática daquele acto, por
virtude deste caber nas suas atribuições.
Terminam
pedindo a improcedência do acto do Conselho de Ministros e a declaração de
incompetência do tribunal quanto ao pedido formulado em relação ao acto do
presidente daquela Administração.
Veio ainda a
contra-interessada, Maternidade HPP Tudo Faz, deduzir oposição alegando a
inexistência de um acto administrativo, uma vez que o acordo de entendimento da
troika, que estaria, de acordo com o
seu entendimento, na base da decisão de encerramento e consequente
transferência, não teria a natureza de acto administrativo. Acrescentam ainda o
facto de esta estar melhor preparada para prestar os devidos cuidados às
parturientes do que a actual maternidade Alfredo dos Campos.
Terminam
pedindo a absolvição da instância.
1
– Da excepção
de incompetência:
Cumpre relembrar aos demandados
que a presente acção foi proposta contra o Conselho de Ministros e também
contra o Presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
Estando os pedidos numa relação de dependência ou de prejudicialidade, como no
caso em apreço, devem estes ser cumulados. Como resulta do artigo 21.º, n.º1 do
CPTA, sendo o Supremo Tribunal competente para decidir do pedido contra o CM,
este é também competente para apreciar dos demais pedidos. Apesar de existirem
várias incongruências na petição inicial, nomeadamente na referência ao
Governo, depois ao Conselho de Ministros, invocada a invalidade do acto por
este praticado e na formulação do pedido referirem os autores novamente o acto
como tendo sido praticado pelo Governo, entende o douto Tribunal que: tendo
sido demandado o Conselho de Ministros e não o Governo (e pela impossibilidade
de Despacho de aperfeiçoamento), que o autor ao referir, na PI, Governo, por
lapso linguístico, e não por falha substantiva, quis referir Conselho de
Ministros de forma a possibilitar a apreciação das questões suscitadas pelos
mesmos.
II DOS FACTOS:
Dos factos trazidos à demanda, têm-se como
provados:
1.
Artigo 14º da PI
– acompanhamento na MAC de 154 grávidas, 34 em fim de tempo, 11 em estado de gravidez
de risco;
2.
Artigo 15º PI – A
esposa do autor tem um gravidez de alto risco;
3.
Artigo 10 do
articulado superveniente – impossibilidade de utilização do edifício para
outros fins que não hospitalares;
4.
Artigo 12º, 15º e
17º do articulado superveniente – aumento dos partos e diminuição considerável
dos custos no último ano;
5.
Artigo 1º da
contestação dos réus – não existe um acto de encerramento oficial da MAC, são
meras ideias, estudos e projectos;
6.
Artigo 8º da
contestação dos réus – existe uma política de racionalização e optimização dos
meios sem implicar a perda de qualidade devida;
7.
Artigo 10º da
contestação dos réus - foi praticado um acto de transferência das grávidas
acompanhadas, por parte do presidente da ARSLVT, I.P.;
8.
Artigo 27º da
contestação dos contra-interessados – prova da qualidade dos serviços e das
garantias de eficaz tratamento de pacientes grávidas;
9.
Inexistência de acto
por parte do Conselho de Ministros;
Fundamentação:
O tribunal
formou a sua convicção com base na prova documental carreada para o processo,
juntamente com as provas testemunhais e documentais realizadas em audiência.
Dos factos não provados:
10.
Inexistência de
alternativa viável à maternidade Alfredo dos Campos;
11.
Realização da
audiência prévia dos interessados;
12.
Lesão para o
autor e sua família;
13.
Não se prova
prevalência do interesse pessoal sobre o público;
Fundamentação:
O
tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados nos pontos 1, 2, 3,
4 e 8, em virtude da prova documental apresentada. Quanto aos pontos 5, 6, 7 e
9 da matéria dada como provada, surge, sobretudo, da prova testemunhal do
Senhor Ministro da Saúde, que se tem como crível e isenta.
Quanto
a factos não provados, estes resultam da total inexistência de prova em relação
a eles. Da prova testemunhal apresentada em defesa daqueles factos,
nomeadamente, a Dr.ª Felisbela Assunção Crispas e o Dr.º António Correia de Campos,
mais não resultou, em ambas as situações, do que respostas vagas, com pouca ou
nenhuma relevância para a causa.
III DO DIREITO.
Da Actuação do Conselho de Ministros:
1.
Da Inexistência de Acto administrativo:
Num primeiro
momento há que averiguar se existe um acto administrativo impugnável para
efeitos do artigo do artigo 55.º do CPTA.
O Artigo
120.º do CPA, parte de uma definição material de acto administrativo, “as decisões dos órgãos da administração que
ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa
situação individual e concreta”, independentemente da forma como são
emitidas (artigo 52.º do CPTA), deixando de fora os actos instrumentais, os
comportamentos e as acções materiais que não consubstanciam actos
administrativos. Esta é a leitura feita pelo Douto Professor Vieira de Andrade
(Andrade, José Vieira de, A justiça
Administrativa, Almedina, 10.º Edição, 2009), relembrando que o conceito de
acto administrativo impugnável é mais vasto que o conceito de acto
administrativo, mas também mais restrito uma vez que só abrange as decisões com
eficácia externa, ainda que inseridas dentro de um procedimento administrativo.
Para outros autores, as “as decisões de
carácter regulador como as actuações de conteúdo mais marcadamente material, os
actos do procedimento como as decisões finais, as actuações internas bem como
as externas, são consideradas pela lei como actos administrativos” (Silva,
Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra,
1996, pag. 625), defendendo uma concepção de acto impugnável alicerçada na
lesão que o acto possa vir a provocar nos seus destinatários. Para o autor “Impugnáveis, são todos os actos
administrativos que em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar
uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares”, estabelecendo
o artigo 268.º, n.º4 da CRP um direito fundamental de impugnação de actos
administrativos lesivos.
Um tertium
Genus, nesta sede, são as actuações informais que a doutrina germânica tem
caracterizado como ”uma categoria independente ao lado das restantes formas de
actuação”, e que se afastam da definição do artigo 120-º do CPA, podendo
defini-las como “todo o acto ou
regulamento destituído de imperatividade, ou qualquer acordo desprovido de
vinculatividade formal recíproca”, ou como “actuação geradora de efeitos puramente psicológicos” (Gomes, Carla
Amado, O dom da ubiquidade administrativa: reflexões sobre a actividade
administrativa informal, Textos ICJP-FDUL). Contudo, esta ausência de
imperatividade não é obstáculo à formação de expectativas sustentadas no
princípio da confiança. O anúncio realizado pelo Conselho de Ministros, pode
configurar uma destas situações, em que não há um acto administrativo dotado de
vinculatividade, mas apenas uma “alteração
da realidade psicológica entre as partes […] [sendo] actos meramente
declarativos, como por exemplo as informações, verifica-se que a sua intenção
genética não é influenciar os comportamentos dos seus destinatários, mas tão só
dar a conhecer uma dada realidade”.
Caracterizando-se
o anúncio em análise como uma actuação informal por parte da
administração, mas todavia susceptível de causar alarme social e alteração da
realidade psicológica, pergunta-se, se esta pode ser sujeita a controle e
se se encontra vinculada aos princípios da actuação administrativa: é neste
sentido que se pronuncia a doutra professora: “A actuação informal, porque não imperativa, não pode constituir um
espaço livre de Direito, blindado à sindicância de ilegalidades”,
sujeitando-os também aos princípios a que se encontra sujeita a administração.
Ora, como
resultou do testemunho do Senhor Ministro da Saúde, é precisamente diante de
uma forma de actuação informal da administração que nos encontramos. Mesmo a
Resolução do Conselho de Ministros apresentada em audiência, veio reforçar este
entendimento, na medida em que no seu âmbito subjectivo não se encontrava a
Maternidade nesta causa referida. Pelo que entende o colectivo que não existe um acto decisório definitivo
ou meramente lesivo dos interesses particulares por do Conselho de Ministros. Mesmo que esta declaração de intenções
lesasse expectativas legitimamente constituídas, não era em sede de acção
administrativa especial, mais concretamente, no pedido de declaração da
nulidade do acto, que este seria sindicável, mas antes na acção administrativa
comum.
2. Da violação do Direito á Saúde
pela Desproporcionalidade da medida:
Há, a este propósito, que fazer referência à
forma como este direito social se configura na ordem jurídica portuguesa.
O
artigo 64.º, n.º1 da CRP prevê que “todos
têm direito à protecção da saúde e de a defender e promover”. Contudo, este
apresenta-se como um direito social e não um direito, liberdade e garantia ou
análogo a estes. Também na Lei de Bases da Saúde, e mais concretamente da base
V, n.º2 (“todos os cidadãos têm direito a
que os serviços de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus
legítimos interesses”), tendo estes “liberdade
de escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, com as
limitações dos recursos existentes e da organização dos serviços”. Daqui
resulta que o direito à saúde está limitado pela reserva do financeiramente possível, isto é, a sua
efectivação está dependente dos recursos disponíveis pelo Estado em dada
altura. É neste sentido que a Base XIV, n.º1 da LBS estatuí: “o utente tem direito a escolher, no âmbito
do sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de acordo com as
regras de organização, o serviço e agentes prestadores”.
A pretensão dos autores, seu interesse e expectativa no nascimento
do seu filho na MAC, apesar de se consubstanciar numa
realização do direito à saúde, não pode ir além daquilo que ao Estado é
possível proporcionar. Haveria efectiva violação do direito se não fosse
assegurado aos autores outro meio com o mesmo grau de eficiência que a MAC
apresenta. Ora, no caso que nos cumpre decidir, é realizada uma transferência
para outro serviço hospitalar onde é assegurado o mesmo tratamento às grávidas
da MAC. Mesmo no anúncio do encerramento sempre foi assegurado outro serviço
hospitalar, a HPP Maternidade Faz Tudo, que apresenta níveis de eficácia e de
qualidade superiores à MAC.
Em conclusão, a invocação
do direito à saúde previsto no artigo 64.º, n.º3, al b) da CRP pressuporia que
não existisse outro meio tão eficaz quanto a MAC. É um facto que o “reconhecimento do direito em causa implica
uma efectiva limitação da actividade da Administração” (Miguel Nogueira de
Brito, Pág. 9, Direito e deveres dos utentes do Serviço nacional de Saúde),
mas a transferência operada pelo PARSLVT assegura ao utente um tratamento
adequado ao seu estado clínico com iguais ou superiores condições. Pelo que a
escolha do serviço que o autor pretende deve ser realizada tendo em conta os
recursos existentes e a organização que o próprio Estado proporciona. Não existe, portanto, no caso sub Júdice, uma violação do direito à
saúde.
Nesta
sequência, no artigo 37.º da PI, os autores vêm invocar a violação do respeito
dos direitos e interesses legalmente protegidos, através do desrespeito do
princípio da proporcionalidade nas suas vertentes da razoabilidade e da
necessidade.
O princípio da proporcionalidade
decorre do princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 2º CRP), ancorado
à ideia de que num Estado Democrático as medidas a adoptar não podem exceder o
estritamente necessário para a realização do interesse público, sendo
consagrado expressamente no art.º 5 nº2 CPA.
É de entendimento genérico que “a proporcionalidade é o princípio
segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes
públicos devem ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos
prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins” (cfr. Diogo
Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 129).
Este
princípio apresenta três dimensões, as quais cumpre salientar. Consagra a
dimensão da adequação, isto é, significa que a medida tomada deve ser ajustada
ao fim que se visa atingir, procurando-se a relação entre as variáveis meio e
fim. Para além da adequação é de considerar também a dimensão da necessidade,
significando esta que além de idónea para o fim que via atingir, a medida
administrativa que deve ser adoptada é a que lese em menor dimensão os direitos
e interesses dos particulares. Por último, fala-se de equilíbrio, também
designado de proporcionalidade em sentido estrito, onde se exige que os
benefícios que se esperam alcançar com uma determinada medida administrativa
adequada e necessária sejam superiores aos sacrifícios que ela acarretará.
Procura-se, assim, avaliar “se o ato praticado, na medida em que
implica uma escolha valorativa, isto é, o sacrifício de certos bens a favor de
outros, é correto, e valido à luz de parâmetros materiais” (cfr Vitalino Cana,
principio da proporcionalidade, pág. 628).
Se determinada medida for
simultaneamente inadequada, desnecessária e desequilibrada tendo em conta o fim
em vista, ela será ilegal por desrespeito do princípio da proporcionalidade.
“O princípio da proporcionalidade
preocupa-se com a verificação de se o sacrifício de certos bens ou interesses é
adequado, necessário e tolerável, na relação com bens e interesses que se
pretende promover” (cfr Vitalino Cana, principio da proporcionalidade, pág.
604).
No caso sub Júdice, face aos
articulados apresentados pelo autor e face às considerações relativamente ao princípio
da proporcionalidade, não nos
encontramos perante uma situação de violação deste principio. A medida
visa a racionalização dos custos e do sistema de saúde, mas leva à diminuição
das garantias de tratamento adequado aos particulares. A alternativa à MAC,
encontra-se dotada das mesmas valências,
equipamentos e meios técnicos, assegurando um serviço modernizado e com maior eficácia face ao prestado pela MAC.
Pelo exposto, dá-se como afastada a
desproporcionalidade da medida e a violação do direito à saúde;
3.
Da invocação de desvio de poder:
Verifica-se a existência de um vício
de desvio de poder quando nos deparamos com o “exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente
determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder”
(Amaral, Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, Almedina 2007).
Nestes termos, o Conselho de Ministros tem competência para aprovar os planos e
os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas
públicas (artigo 200.º, al. e) e f) da
CRP), e deve fazê-lo tendo em vista o interesse público, e no que concerne
à saúde, os legítimos interesses dos cidadãos (base V da LBS) para a efectivação de um direito à prestação de
cuidados de saúde.
Para que no presente caso se pudesse
descortinar uma eventual situação de desvio de poder, seria necessário que o
fim prosseguido fosse outro que não a manutenção da qualidade do Serviço
Nacional de Saúde. Como já se referiu supra, a efectivação deste Serviço está
sujeita à medida dos recursos financeiros do Estado, que na actual conjuntura
económica e social do país, são escassos, vendo-se o Estado numa situação de
obrigatoriedade de reposicionamento de serviços, de alternativas economicamente
viáveis, com a manutenção da igual qualidade e eficiência dos serviços. Não resulta da apreciação feita pelo
tribunal a existência de outra intenção que não aquele que estritamente a lei
impõe, veja-se que os órgãos em causa, demonstraram e criaram no douto
Tribunal a convicção de trabalharem e estudarem formas de racionalização dos
cuidados de saúde sem, mais uma vez, diminuir a qualidade dos serviços que
pretendem proporcionar aos cidadãos. Não
configurando o fim real que é prosseguido qualquer contrariedade ao fim legal,
não cabe ao Tribunal fazer juízos de mérito sobre as opções económicas tomadas.
Também não se identifica nesta questio
qualquer interesse privado da Administração. Como tem sido afirmado por este
Tribunal em jurisprudência anterior, para que o desvio de poder por motivo de
interesse privado possa ter relevância anulatória, exige-se que na actuação do
órgão administrativo exista dolo (Ac. STA
11-2-1949 e AC STA 27-2-1948).
Conclui-se pela não verificação de um
vício de desvio de poder, pelo facto de não se poder configurar no presente
caso a prossecução de outro interesse público diferente daquele que a lei
prevê, ou de um interesse privado em detrimento do interesse público, fim
último da actuação administrativa.
4. Da invocação
de Retroactividade e Violação do Princípio da Confiança:
Para que se
compreenda a posição tomada por este Tribunal sumariamente procede-se à análise
da relação jurídica administrativa resultante da prestação de cuidados de
saúde. Aos cidadãos e utentes do serviço nacional de saúde pertence um direito
a serem tratados “pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correcção técnica, privacidade e respeito”
tendo como correspectivo dever “observar as regras sobre organização e o
funcionamento dos serviços e estabelecimentos” (Lei 48/90, de 24 de Agosto, de Bases da Saúde, Base XIV, n.º1 e 2). O
substrato da relação jurídico -administrativa de prestação de cuidados de saúde
não é contratual, não lhes subjaz um
acordo de vontades, “as relações
jurídicas entre ambos são conformadas ou directamente por normas, ou por actos
administrativos que têm essas normas por matriz” (CORREIA, Sérvulo, As relação
jurídico administrativa de prestação de cuidados de saúde, ICJP-FDUL).
Nesta lógica
em que assenta a relação jurídica em causa, nas palavras do Douto Professor, “a
situação do utente é livremente modificável (mas em termos gerais e não individualizados) por lei, regulamento ou
acto administrativo de habilitação normativa. Isto porque, essa situação é
«objectiva», não no sentido de o particular não ser titular de direitos
subjectivos em face do SNS, mas no de esses direitos serem aqueles que as
normas jurídicas em cada momento vigente determinarem”. O Limite a esta
modificabilidade da relação é a retroactividade e a violação da confiança
legítima, v.g., a afectação por um acto de direitos anteriormente constituídos.
Como princípio estruturante do Estado de Direito Português leva a que as “restrições ou abolições dos direitos a
determinadas prestações valerá para o futuro, dificilmente podendo afectar
prestações já efectivadas sem violação do princípio da protecção da confiança”,
mas não é a questão que se coloca no presente caso prático. Repare-se que o que
está em causa é o encerramento de uma unidade hospitalar, a MAC, mas tal facto
não suspende os cuidados que estão a ser prestados às grávidas internadas nessa
unidade de saúde, há sim uma mudança para outra unidade hospitalar, a HPP
Maternidade Faz Tudo, e não a suspensão de uma prestação de saúde já iniciada,
nem mesmo a diminuição da qualidade e eficácia da mesma.
Face ao exposto, considera-se não existirem no caso concreto quaisquer
expectativas legítimas violadas, visto que o cuidado de saúde que a grávida
expectava receber continua a ser assegurado. O facto de pretender que esse
serviço seja recebido na Mac, não é oponível ao Estado. Há um interesse público
de racionalização e reorganização da rede hospitalar que legitima o
encerramento, este interesse, sim, é oponível ao interesse meramente pessoal
dos autores. Relembrando o que referimos supra, o direito a uma prestação de cuidados de saúde está sempre condicionado
pela aceitação pelo utente da organização existente. Pelo que, não se
verifica nenhuma violação do princípio da retroactividade e da confiança
legítima.
Do Acto Praticado Pelo Presidente da
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo:
5.
Acto Praticado Pelo PARSLVT:
Do ponto 3. Da Petição Inicial não se
retira qualquer questão de direito que possa inquinar o acto praticado pelo
órgão em questão de um vício que leve a declaração de nulidade do acto. Tal
como é pedido no ponto B) da PI, os autores limitam-se a impugnar e a invocar a
lesividade do acto, contudo sem proceder à invocação dos factos que comprovam a
mesma. Cabe portanto ao tribunal verificar se existem algumas causas de
invalidade que possam inquinar o mesmo.
A Administração Regional de Saúde de
Lisboa e Vale do Tejo, IP, é um órgão da administração indirecta do estado,
cuja Lei Orgânica consta do DL 222/2007, e que prossegue as suas atribuições
sobre superintendência e tutela do Ministro responsável. O Presidente da
ARSLVT, ordenou a transferência das grávidas que se encontravam a ser
acompanhadas na MAC para outros estabelecimentos hospitalares como forma de
preparar o encerramento anunciado pelo governo. Nos termos do artigo 3.º, n.º2
al. b), a ARSLVT tem competência para proceder à transferência das pacientes,
uma vez que pode coordenar a execução da política de saúde com vista à optimização
dos recursos disponíveis. Já supra foi referido que anúncio do governo
consubstancia uma actuação informal da administração mas que é geradora de
alarme social, e a espera pelo momento de uma decisão definitiva para a
efectiva transferência das grávidas pode trazer danos até para as próprias
utentes. Repare-se que esta medida é um acto de gestão corrente e que não está
dependente da decisão de encerramento ou de outra decisão de transferência. É
um facto que tal medida é contrária à pretensão do Autor e das expectativas que
este invoca. Relembramos neste ponto a tomada de posição supra, a relação
jurídica de prestação de cuidados de saúde e as legítimas expectativas que o
particular possa ter não são feridas com a respectiva transferência para outro
serviço hospitalar. O cidadão está sujeito aos recursos que o Estado tenha
disponíveis para satisfazer a sua necessidade e sujeito ainda está às
estruturas e regras organizativas existentes. A medida tomada pelo presidente
da Administração Regional de Saúde mais não é do que uma medida de optimização,
de boa gestão e de racionalização dos recursos disponíveis face às complexas
circunstâncias económicas que o país atravessa. Seria completamente
desproporcional fazer prevalecer um interesse pessoal, face a uma decisão que
visa a prossecução de um interesse público com vista a uma maior eficácia e
tutela do SNS.
Concluímos pela inexistência de
invalidades face ao acto de transferência praticado pelo Presidente da
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
IV DECISAO
Pelo
exposto, e ao abrigo do disposto nas invocadas disposições legais, acorda o
tribunal:
a)
Absolver o réu, Conselho de Ministros do
pedido, do pedido quanto à
declaração de nulidade do acto por si praticado, porque não provado e, logo,
inexistente;
b)
Absolver o réu, P.A.R.S.L.V.T, IP, do pedido quanto à nulidade do seu acto, por inexistência
de quaisquer invalidades do mesmo;
Custas pelo Autor – Art.º 447º -D/1 CPC.
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