terça-feira, 1 de maio de 2012


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul

Processo: 05680/09
Secção: CA- 2º JUÍZO 
Data do Acordão: 19-01-2012

Relator: CRISTINA DOS SANTOS

Descritores: ACÇÃO POPULAR – LITISPENDÊNCIA

Sumário: 1. A caracterização legal da actio popularis como forma de defesa e prossecução de direitos uti civis (ou uti universis), e já não uti singuli, traduz-se no alargamento da legitimidade activa a todos os cidadãos, pessoas colectivas e Ministério Público, concebendo-se a parte processual como categoria-universo geral e abstracta, não cabendo indagar da específica titularidade do interesse em demandar de cada sujeito em cada caso concreto.

2. Na acção popular a legitimidade activa é um atributo da sociedade e não uma competência do Ministério Público enquanto órgão do Estado, por isso é que a acção popular n° … em que são AA duas pessoas singulares e nos presentes autos em que o A é o Ministério Público, configura um caso de identidade jurídica, pressuposto subjectivo da litispendência (artº 498º nº 1 CPC), na medida em que todos intervêm uti civis. 

Aditamento: 
1 
Decisão Texto Integral: O Ministério Público, inconformado com a sentença proferida pelo Mo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Na presente acção intentada pelo Ministério Público contra o Município de Lisboa, sendo contra-interessados o IPPAR Instituto Português do Património Arquitectónico e P …………- …………., S.A., foi pedida a declaração de nulidade da licença de construção n.°……/C/2004 emitida pela ré Câmara Municipal de Lisboa. Tal implica que os negócios jurídicos de alienação são nulos.
2. Não se verifica a excepção de litispendência relativamente à acção n.° 1120/06.3BELSB.
3. Como se vê, não há identidade de sujeitos.
4. Também não há identidade do pedido.
5. E também não há identidade da causa de pedir.
6. Com efeito, a presente acção tem por objecto a apreciação da alegada nulidade originária do acto administrativo que licenciou o conjunto urbanístico.
7. O Ministério Público tem legitimidade, nos termos do disposto nos arts. 9.° e 55.°, n.° l, alínea b) do CPTA.
8. E não tem qualquer cabimento invocar (conforme se refere na sentença) que não releva a falta de identidade entre as autoras da acção nº……../06.3BELSB e a proposta pelo Ministério Público.
9. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 497.° e 498.° do CPC.
10. Sendo indubitavelmente contraditória ao concluir que, apesar de manifestamente não se verificar a identidade entre as autoras da presente acção e a proposta pelo Ministério Público, acham-se reunidos os requisitos de litispendência.
*
A P………… – Investimentos e Construções SA contra-alegou, concluindo como segue:

1. O Recorrente limita-se a motivar o recurso no facto de que os autores em ambas as acções não são idênticos, facto que também é reconhecido e admitido na decisão recorrida, mas não indica qualquer fundamento pelo qual não pode ser aplicado ao caso em apreço o disposto no n.a l do artigo 19.a da LAP, em claro incumprimento do disposto no n.a l do artigo 685.a-A do CPC;

2. A legitimidade activa (objectiva, e não subjectiva, em ambos os casos), os interesses prosseguidos (difusos, e não pessoais, em ambos os casos) e os efeitos das sentenças (erga omnes, e não meramente inter partes, em ambos os casos), são os mesmos em ambos os processos, pelo que, da perspectiva da sua qualidade jurídica, a identidade dos sujeitos é evidente;

3. Existe identidade de sujeitos entre o presente processo e aquele que corre termos na 2." Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o n.D 1120/06.3 BELSB;

4. O objecto de ambos os processos é a declaração de nulidade da licença de construção n.D ……../C/04, pelo que se verifica a existência de identidade de pedido entre os presentes autos e o processo que corre termos na 2.a Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o número 1120/06.3 BELSB;

5. Em ambos os processos (i) os pedidos se reconduzem à mesma pretensão jurídica, (ii) as partes activas pretendem introduzir as mesmas alterações na ordem jurídica, e (iii) se pretende afectar as posições jurídicas da Recorrida particular e do Município exactamente da mesma forma e com o mesmo alcance, pelo que é de aplicar n.B 3 do artigo 498.8 do CPC visto que, em ambos os processos, "se pretende obter o mesmo efeito jurídico";

6. Em ambos os processos (i) os pedidos se reconduzem à mesma pretensão jurídica, (ii) as partes activas pretendem introduzir as mesmas alterações na ordem jurídica, e (iii) se pretende afectar as posições jurídicas da Recorrida particular e do Município exactamente da mesma forma e com o mesmo alcance, pelo que é de aplicar n.a 3 do artigo 498.a do CPC visto que, em ambos os processos, "se pretende obter o mesmo efeito jurídico";

7. Existe identidade de causa de pedir entre os presentes autos e o processo que corre termos na 2.a Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o número 1120/06.3 BELSB;

8. A presente situação configura uma situação de litispendência, que, nos termos da lei, deve fundamentar uma decisão de absolvição da instância.
*
O Município ………. contra-alegou, concluindo como segue:

1. A litispendência pressupõe a repetição de uma causa quando a anterior ainda esteja em curso, evitando por um lado que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior; garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (cfr. Acórdão do ST J de 6.6.2000 publicado no BMJ 498°-173.).

2. Sucede que coexistem na ordem jurídica duas acções em que se verificam reunidos os pressupostos da litispendência, consubstanciados nos processos n° 1120/06.3 a correr termos na 2a U.O. e n° 1459/07.BELSB a correr termos na 1a U.O. do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa.

3. É entendimento jurisprudencial que não é exigida uma perfeita e exacta identidade dos pressupostos sobre os quais assenta a verificação da figura da litispendência.

4. Existe identidade de sujeitos, pois os sujeitos comportam-se na defesa objectiva de interesses e direitos colectivos, sendo definida a identidade da sua posição processual pelos fins a atingir (teoria teleológica).

5. A titularidade do direito em ambas as acções não tem carácter subjectivo, pois, quer num caso, como noutro, se trata de assegurar a defesa de interesses difusos de carácter público, entende-se, assim, que existe identidade de sujeitos, pois os sujeitos comportam-se na defesa objectiva de interesses e direitos colectivos, sendo definida a identidade da sua posição processual pelos fins a atingir (teoria teleológica).

6. A causa de pedir encontra a sua definição legal no n° 4 do artigo 498° do CPC (que nos escusamos de repetir) e nesta não consta que o enquadramento legal da situação seja elemento da causa de pedir.

7. É de concluir perante a evidente complexidade da causa de pedir, verificada nos dois processos, da qual ressalta o facto em ambos se invocar a falta de loteamento prévio, que há correspondência na sua identidade.

8. Nos dois processos pretende-se atingir substancialmente o mesmo efeito jurídico, perante as pretensões apresentadas, ou seja o pedido é similar em ambas as acções, pois as duas acções visam obter a declaração de nulidade da licença, os demais pedidos articulam-se com este numa relação de causalidade.

9. Verificado o preenchimento dos requisitos legais dos quais depende a excepção da litispendência, a sentença que declarou a sua procedência deve ser confirmada, com todos os inerentes efeitos legais.

*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.
*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Em 28.4.2006 foi instaurada a acção popular, tramitada com o n° 1120/06.3 BELSB, pela 2a Unidade Orgânica deste Tribunal, por João ………….. e João ………., contra o Município de .., o IPPAR - Instituto de Português do Património Arquitectónico, IP e a P……. - ……………, SÁ, (cfr. de fls. numeradas de 1 a 20 apensas);

2. Na referida acção foram formulados os pedidos de que seja: "- declarado nulo o parecer proferido pelo R. IPPAR.que se pronunciou favoravelmente à construção do conjunto de edifícios denominado Condomínio ……… / Infante ……, sito na Avenida ………., n°s …… a .a; // - declarada nula a licença de construção n°…../C/2004, emitida pelo R. Município de Lisboa; // - ordenada a demolição de todos os edifícios construídos ao abrigo do parecer e licença referidos nos dois parágrafos antecedentes." (idem);

3. Na mesma acção invocaram-se como fundamentos dos pedidos designadamente: "Na Avenida ……….., n°s ….. e .-A, em Lisboa, encontra-se em curso a construção de um conjunto de cinco edifícios denominado Condomínio R…….. - ……….. II Os edifícios em causa respeitam ao processo de construção n° 1512/OB/2000 ...//A Câmara Municipal atribuiu ao promotor imobiliário, a P…………, o alvará de licença de construção n° 318/C/2004. // O processo de construção n° 1512/OB/2000, ... da Câmara Municipal de ……… e o processo de parecer prévio cujos termos correm no IPPAR ... enfermam de vícios susceptíveis de determinarem a sua nulidade ... //O conjunto de edifícios que o promotor imobiliário ... se propunha construir situa-se na Zona de Protecção do Aqueduto das Águas Livres, classificado como Monumento Nacional ... //(...) // Em 10 de Agosto de 1998, foi publicada a portaria 512/98, que fixou a zona especial de protecção conjunta do Museu Nacional de Arte Antiga e dos imóveis classificados na sua área envolvente, nomeadamente, o troço do Aqueduto das Águas Livres. // Os serviços da Câmara Municipal de………. solicitaram aos serviços do R. IPPAR que se pronunciassem sobre dois estudos prévios apresentados pelo promotor imobiliário ... // (...) // Em 15 de Setembro de 1997, os serviços do R. IPPAR deram parecer negativo à construção proposta, justificando a sua posição com o fundamento de que deveria ser reformulada a volumetria ... II (...) II Em Setembro de 1998, novamente os serviços do R. IPPAR deram parecer negativo informando concretamente que o estudo além de «não atender à condicionante expressa no anterior parecer do IPPAR, ..., propõe uma solução volumétrica ao longo do Aqueduto que considero poder prejudicar o seu enquadramento» ...//... em 12 de Abril de 1999, os serviços do R. IPPAR, não obstante a clareza dos pareceres anteriores, dão parecer favorável à construção. // (...) // Quer nos estudos prévios que apresentou, quer posteriormente nos projectos, o promotor imobiliário violou o valor da área do terreno onde o conjunto dos edifícios ia ser implantado. //(...)// ..., a Avenida ………. faz parte, nos termos do Plano Director Municipal de ……, das denominadas Áreas consolidadas de edifícios de utilização colectiva habitacional ... // Sucede que os serviços da Câmara Municipal de …….. autorizaram, sem realização da

realização da operação de loteamento nem plano de pormenor, a edificação acima do solo de 16.700m2 ... // ...a P………, ... iniciou os trabalhos de construção, ... // - Sem proceder ao pagamento da taxa devida pela licença de construção, ... // - Sem proceder ao pagamento da taxa da realização de infraestruturas urbanas ... // ... Deste modo, a R. P……….. nunca procedeu ao levantamento da licença de construção. II (...) II Sabiam os RR. que o número de pisos acima da cota de soleira - 9 - e a cércea indicada - 31,50 (...) violava ostensivamente o Plano Director Municipal ... /// (...) // A área de construção é ... desproporcionada para o local ... //Na construção dos edifícios, com o conhecimento e consentimento dos RR. IPPAR e Município de Lisboa, a R. Portbuilding não respeitou a distância de 10 metros relativamente ao muro do Aqueduto das Águas Livres ...// No local onde os edifícios estão a ser construídos foi detectada há vários anos a existência de um conjunto de grutas paleolíticas, denominadas Cova da Moura e Cova da Onça, ... cuja entrada estava vedada por uma parede de betão por motivos de segurança. // (...) // Quer o parecer do IPPAR, quer a licença de construção n° 318/C/2004, são actos que violam os art.s 43° e 71° da Lei 107/2001, os rat.s 1°, 3°, n° 2, 4°, n° 2, 22°° e 23° da Lei n° 13/85, de

6 de Julho, o art. 59° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e os art.s 54° e 55° do Plano Director Municipal da cidade de ……….. // Tais actos ... constituem um verdadeiro atentado ... contra o Aqueduto das Águas Livres e do Chafariz das Terras, que são monumentos nacionais, e contra o património arqueológico ... // contra as regras do urbanismo..." (idem);

4. As Entidades demandadas nesta acção foram citadas 2006 (30. e 31.5, o Município de Lisboa e o IPPAR e em Outubro, a Portbuilding) (de fls. não numeradas apensas);

5. E apresentaram contestações, tendo a Portbuilding invocado a questão prévia da ilegitimidade activa, pugnando, todas, pela improcedência da acção (de fls. não numeradas apensas).

6. Encontrando-se os respectivos autos a aguardar que seja proferida decisão (cfr. de fls. 628);

7. Em 24.5.2007 foi instaurada a presente acção pelo Ministério Público, ao abrigo do n° 2 do artigo 9° do CPTA, contra o Município de …….. e o IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico, IP e a P……….- Investimentos ……….., SÁ,, na qualidade de contra-interessados (cfr. de fls. 3 a 13);

8. Tendo sido formulado o pedido de que seja declarado nulo o despacho de 27.6.2003 que deferiu a licença de construção n° 318/C/04, a favor da Portbuilding, proferida pela Sra. Vereadora da Câmara Municipal de …., Dra. E …………. (idem);

9. E sido invocado como fundamento do pedido, designadamente: «Encontra-se em construção, na Avenida …………, nesta cidade de L…………, um conjunto de cinco edifícios, denominado "Condomínio Residencial …………. - ……………..", ... //A estes edifícios correspondem os números de polícia 58 e 59. // A estas construções corresponde o processo de construção n° 1512/08/2000, da Câmara Municipal de …………..// Esta edilidade atribuiu ao promotor P……….. a licença de construção n° 318/C/2004.// ... // Os edifícios ... estão a ser construídos em cima de uma extensão do Aqueduto das Águas Livres, local que se encontra abrangido pela denominada Zona Especial de Protecção ... II O Aqueduto das Águas Livres é um imóvel classificado como "Monumento Nacional", constituindo sua parte integrante o Chafariz das Terras. // Ora, a Portaria n° 512/98, de 10 de Agosto, fixou uma Zona Especial de Protecção Conjunta do Museu Nacional de Arte Antiga, classificado como imóvel de interesse público ..., e dos imóveis classificados da sua área envolvente. // Por isso, em 22 de Agosto de 1997, a Câmara Municipal de Lisboa, solicitou parecer ao IPPAR sobre a construção dos edifícios na Avenida Infante Santo, ... II (...) II... o IPPAR, em 22 de Agosto, emitiu o seguinte parecer: //(...)// E, em 15 de Setembro de 1998, emitiu outro parecer, ... // Daí resulta que o IPPAR considerava excessiva a volumetria da construção de edifícios de rés-do-chão e quatro pisos, paralelos ao Aqueduto. ... // Decorridos dois anos, em 12 de Abril de 1999, o IPPAR emite novo parecer ... // Com este parecer, viabilizou-se a solução apresentada pelo promotor P……….., ... // Acresce que a Câmara Municipal de …………. autorizou a construção destes edifícios, a 10 metros do Aqueduto das Águas Livres, em manifesta violação ao estatuído no art. 43° da lei n° 107/2001, de 8 de Setembro ... // A zona da Avenida ………., ..., encontra-se abrangida pelo Plano Director Municipal de Lisboa, ... // E os terrenos onde estão a ser construídos os edifícios estão inseridos numa área de nível de intervenção 2 (Área de Potencial Valor Arqueológico), pois ali foi descoberto um conjunto de grutas paleolíticas de nominadas "Cova da Moura" e Cova da Onça"... // (...) // A promotora Portbuilding colocou junto à obra um aviso, onde se lê que se encontra em construção um edifico de nove pisos acima da cota da soleira, sendo a cércea de 31,50 m e a área bruta de construção de 28.060 m2, para u, terreno de 5.784 m2. // Sucede que, de acordo com o Plano Director Municipal, para a zona apenas é possível construir até oito pisos, sendo a cércea de 25 m e a área bruta de construção de 16.000m2. // (...) // Esta intervenção urbanística não foi precedida de operação de loteamento. // E também não houve cedência de terrenos para o domínio municipal, ... // (...) // Ao não ser precedida da operação de loteamento, a licença outorgada pela Vereadora ... é nula, face ao disposto no art. 68°, al. a) do RJVE.//(...)» (idem).

DO DIREITO
Relativamente à acção popular n° 1120/06 em que são AA João ………… e João ……………, é pedida a declaração de nulidade do parecer proferido IPPAR e a licença de construção nº 318/C/2004 concedida pelo Município de Lisboa à sociedade Portbuilding que assumem naqueles autos a posição de RR.

Nos presentes autos o A é o Ministério Público sendo os RR os mesmos sujeitos que figuram como tal na acção nº 1120/06.

Ambas as acções são instauradas no regime da acção popular, direito consagrado no artº 52º nº 3 CRP e com expressão normativa ordinária na lei 83/95 de 31.08.

Do probatório resulta, conforme itens 2 e 8, que o pedido nestes autos faz parte do pedido múltiplo da acção nº 1120/06.

Do probatório resulta, conforme itens 3 e 9, que a substanciação do pedido nos presentes autos coincide com a substanciação do pedido múltiplo da acção nº 1120/06.

De modo que no tocante aos requisitos da litispendência – meio técnico destinado a evitar a repetição duma causa, por pendência de causa idêntica àquela que se propôs, descrito no artº 498º nº 1 CPC – resta apenas saber /quanto à identidade de partes nos processos, do ponto de vista da sua identidade jurídica face à relação jurídica substancial.

Na circunstância das duas acções em causa a resposta é positiva, dado que em ambas as acções o que se visa é a tutela jurisdicional de interesses difusos, sustentando a doutrina que no domínio da Lei 83/95 “(..) o legislador português entendeu por bem consagrar aquilo que nos parece ser uma legitimidade difusa, porquanto diversa da legitimidade pública do Ministério Público (ou de outros entes públicos) e da legitimidade individual dos sujeitos particulares, quebrando as amarras com a tradicional construção dicotómica da legitimidade … com um pendor misto, mesclada com uma parte individual e uma parte pública, da mesma forma que os interesses difusos surgem na confluência da natureza pública com a natureza individual pois “a defesa dos interesses difusos coincide com a defesa de interesses públicos e a defesa de interesses individuais” . (..)” (1)

Donde se conclui pela identidade de partes na exacta medida em que a intervenção do Ministério Público na presente actio popularis tem por função a garantia da legalidade e prossecução do interesse público, num modelo de contencioso objectivo na exacta medida em que o “(..) interesse difuso não deixa de ser a forma concreta, plural e heterogénea do interesse público (..)”, sendo que o interesse difuso “(..) enquanto interesse pluri-individual, distingue-se do interesse colectivo por carecer de um sujeito, ou sujeitos concreto(s) que surja(m) como seu(s) titular(es); as situações jurídicas protegidas em correlação com esse interesse, embora subjectiváveis através da contitularidade, ou não permitem a identificação dos sujeitos ou essa identificação é feita “in base alla persistenza di rapporti giuridichi rispetto al bene”, ou seja, como resultado de uma definição através de um dado genérico, em que o universo de titulares é variável. Pode dizer-se que se caracterizam por serem interesses “pluralistas, solidários, comunitários e não patrimoniais” e, num certo sentido, “desinteressados”. Para nós, apesar de não deixarmos de os perspectivar como interesses subjectivos particulares, parece-nos que os interesses difusos se apresentam como interesses ontologicamente públicos, porque o seu objecto é, em termos qualitativos, idêntico ao objecto dos interesses públicos, na medida em que é constituído por bens pluri-individuais, comuns a uma dada comunidade. (..)” (2)
*
O que significa, na senda da doutrina citada, que a caracterização legal da actio popularis como forma de defesa e prossecução de direitos uti civis (ou uti universis), e já não uti singuli, se traduz no alargamento da legitimidade activa a todos os cidadãos, pessoas colectivas e Ministério Público, concebendo-se a parte processual como categoria-universo geral e abstracta, não cabendo indagar da específica titularidade do interesse em demandar de cada sujeito em cada caso concreto.

Dito de outro modo, na acção popular a legitimidade activa é um atributo da sociedade e não uma competência do Ministério Público enquanto órgão do Estado, por isso é que a acção popular n° 1120/06 em que são AA duas pessoas singulares e nos presentes autos em que o A é o Ministério Público, configura um caso de identidade jurídica na medida em que todos intervêm uti civis.

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Sem custas por isenção subjectiva tributária.

Lisboa, 19.JAN.2012

(Cristina dos Santos) .................................................................................................................................................
(António Vasconcelos) ..............................................................................................................................................
(Paulo Carvalho) (Voto de vencido: Entendo que o M.P. não pode estar obrigado a aderir às acções populares que outros intentem. Por esta via o resultado é que isto permitiria a um interessado na manutenção do acto que soubesse que o M.P. ia intentar uma acção, intentá-la ele por interposta pessoa, propositadamente mal feita, e o M.P. nada podia fazer, pois só podia aderir à p.i.. Acho que as acções populares não eliminam a hipótese do M.P. intentar a sua própria acção, são um “plus” em termos de controle da legalidade em sede de urbanismo, não são uma substituição nem uma concorrência da legitimidade do M.P.).


Anabela Guerreiro - nº 363



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