Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 05680/09
Secção: CA- 2º JUÍZO Data do Acordão: 19-01-2012
Relator: CRISTINA DOS SANTOS
Descritores: ACÇÃO POPULAR – LITISPENDÊNCIA
Sumário: 1. A caracterização legal da
actio
popularis como forma de defesa e prossecução de direitos uti civis (ou
uti universis), e já não uti singuli, traduz-se no alargamento da legitimidade
activa a todos os cidadãos, pessoas colectivas e Ministério Público,
concebendo-se a parte processual como categoria-universo geral e abstracta, não
cabendo indagar da específica titularidade do interesse em demandar de cada
sujeito em cada caso concreto.
2. Na acção popular a legitimidade
activa é um atributo da sociedade e não uma competência do Ministério Público
enquanto órgão do Estado, por isso é que a acção popular n° … em que são AA
duas pessoas singulares e nos presentes autos em que o A é o Ministério
Público, configura um caso de identidade jurídica, pressuposto subjectivo da
litispendência (artº 498º nº 1 CPC), na medida em que todos intervêm uti
civis.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Ministério Público, inconformado com a sentença proferida pelo Mo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:
1. Na presente acção intentada pelo
Ministério Público contra o Município de Lisboa, sendo contra-interessados o
IPPAR Instituto Português do Património Arquitectónico e P …………- …………., S.A.,
foi pedida a declaração de nulidade da licença de construção n.°……/C/2004
emitida pela ré Câmara Municipal de Lisboa. Tal implica que os negócios
jurídicos de alienação são nulos.
2. Não se verifica a excepção de
litispendência relativamente à acção n.° 1120/06.3BELSB. 3. Como se vê, não há identidade de sujeitos.
4. Também não há identidade do pedido.
5. E também não há identidade da causa de pedir.
6. Com efeito, a presente acção tem por objecto a apreciação da alegada nulidade originária do acto administrativo que licenciou o conjunto urbanístico.
7. O Ministério Público tem legitimidade, nos termos do disposto nos arts. 9.° e 55.°, n.° l, alínea b) do CPTA.
8. E não tem qualquer cabimento invocar (conforme se refere na sentença) que não releva a falta de identidade entre as autoras da acção nº……../06.3BELSB e a proposta pelo Ministério Público.
9. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 497.° e 498.° do CPC.
10. Sendo indubitavelmente contraditória ao concluir que, apesar de manifestamente não se verificar a identidade entre as autoras da presente acção e a proposta pelo Ministério Público, acham-se reunidos os requisitos de litispendência.
*
A P………… – Investimentos e Construções SA contra-alegou, concluindo como segue:
1. O Recorrente limita-se a motivar o recurso no facto de que os autores em ambas as acções não são idênticos, facto que também é reconhecido e admitido na decisão recorrida, mas não indica qualquer fundamento pelo qual não pode ser aplicado ao caso em apreço o disposto no n.a l do artigo 19.a da LAP, em claro incumprimento do disposto no n.a l do artigo 685.a-A do CPC;
2. A legitimidade activa (objectiva,
e não subjectiva, em ambos os casos), os interesses prosseguidos (difusos, e
não pessoais, em ambos os casos) e os efeitos das sentenças (erga omnes, e não
meramente inter partes, em ambos os casos), são os mesmos em ambos os
processos, pelo que, da perspectiva da sua qualidade jurídica, a identidade dos
sujeitos é evidente;
3. Existe identidade de sujeitos
entre o presente processo e aquele que corre termos na 2." Unidade
Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o n.D 1120/06.3
BELSB;
4. O objecto de ambos os processos é
a declaração de nulidade da licença de construção n.D ……../C/04, pelo que se
verifica a existência de identidade de pedido entre os presentes autos e o
processo que corre termos na 2.a Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e
Fiscal de Lisboa sob o número 1120/06.3 BELSB;
5. Em ambos os processos (i) os
pedidos se reconduzem à mesma pretensão jurídica, (ii) as partes activas
pretendem introduzir as mesmas alterações na ordem jurídica, e (iii) se
pretende afectar as posições jurídicas da Recorrida particular e do Município
exactamente da mesma forma e com o mesmo alcance, pelo que é de aplicar n.B 3
do artigo 498.8 do CPC visto que, em ambos os processos, "se pretende
obter o mesmo efeito jurídico";
6. Em ambos os processos (i) os
pedidos se reconduzem à mesma pretensão jurídica, (ii) as partes activas
pretendem introduzir as mesmas alterações na ordem jurídica, e (iii) se
pretende afectar as posições jurídicas da Recorrida particular e do Município
exactamente da mesma forma e com o mesmo alcance, pelo que é de aplicar n.a 3
do artigo 498.a do CPC visto que, em ambos os processos, "se pretende
obter o mesmo efeito jurídico";
7. Existe identidade de causa de
pedir entre os presentes autos e o processo que corre termos na 2.a Unidade
Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o número 1120/06.3
BELSB;
8. A presente situação configura uma
situação de litispendência, que, nos termos da lei, deve fundamentar uma
decisão de absolvição da instância.
*O Município ………. contra-alegou, concluindo como segue:
1. A litispendência pressupõe a
repetição de uma causa quando a anterior ainda esteja em curso, evitando por um
lado que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir
uma decisão anterior; garante não apenas a impossibilidade de o tribunal
decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a
inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira
idêntica (cfr. Acórdão do ST J de 6.6.2000 publicado no BMJ 498°-173.).
2. Sucede que coexistem na ordem
jurídica duas acções em que se verificam reunidos os pressupostos da
litispendência, consubstanciados nos processos n° 1120/06.3 a correr termos na
2a U.O. e n° 1459/07.BELSB a correr termos na 1a U.O. do Tribunal
Administrativo do Circulo de Lisboa.
3. É entendimento jurisprudencial que
não é exigida uma perfeita e exacta identidade dos pressupostos sobre os quais
assenta a verificação da figura da litispendência.
4. Existe identidade de sujeitos,
pois os sujeitos comportam-se na defesa objectiva de interesses e direitos
colectivos, sendo definida a identidade da sua posição processual pelos fins a
atingir (teoria teleológica).
5. A titularidade do direito em ambas
as acções não tem carácter subjectivo, pois, quer num caso, como noutro, se
trata de assegurar a defesa de interesses difusos de carácter público,
entende-se, assim, que existe identidade de sujeitos, pois os sujeitos
comportam-se na defesa objectiva de interesses e direitos colectivos, sendo
definida a identidade da sua posição processual pelos fins a atingir (teoria
teleológica).
6. A causa de pedir encontra a sua
definição legal no n° 4 do artigo 498° do CPC (que nos escusamos de repetir) e
nesta não consta que o enquadramento legal da situação seja elemento da causa
de pedir.
7. É de concluir perante a evidente
complexidade da causa de pedir, verificada nos dois processos, da qual ressalta
o facto em ambos se invocar a falta de loteamento prévio, que há
correspondência na sua identidade.
8. Nos dois processos pretende-se
atingir substancialmente o mesmo efeito jurídico, perante as pretensões
apresentadas, ou seja o pedido é similar em ambas as acções, pois as duas
acções visam obter a declaração de nulidade da licença, os demais pedidos
articulam-se com este numa relação de causalidade.
9. Verificado o preenchimento dos
requisitos legais dos quais depende a excepção da litispendência, a sentença
que declarou a sua procedência deve ser confirmada, com todos os inerentes
efeitos legais.
*
Colhidos os vistos legais e entregues
as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para
decisão em conferência.*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:
1. Em 28.4.2006 foi instaurada a
acção popular, tramitada com o n° 1120/06.3 BELSB, pela 2a Unidade Orgânica
deste Tribunal, por João ………….. e João ………., contra o Município de .., o IPPAR
- Instituto de Português do Património Arquitectónico, IP e a P……. - ……………, SÁ,
(cfr. de fls. numeradas de 1 a 20 apensas);
2. Na referida acção foram formulados
os pedidos de que seja: "- declarado nulo o parecer proferido pelo R.
IPPAR.que se pronunciou favoravelmente à construção do conjunto de edifícios
denominado Condomínio ……… / Infante ……, sito na Avenida ………., n°s …… a .a; // -
declarada nula a licença de construção n°…../C/2004, emitida pelo R. Município
de Lisboa; // - ordenada a demolição de todos os edifícios construídos ao
abrigo do parecer e licença referidos nos dois parágrafos antecedentes."
(idem);
3. Na mesma acção invocaram-se como
fundamentos dos pedidos designadamente: "Na Avenida ……….., n°s ….. e .-A,
em Lisboa, encontra-se em curso a construção de um conjunto de cinco edifícios
denominado Condomínio R…….. - ……….. II Os edifícios em causa respeitam ao
processo de construção n° 1512/OB/2000 ...//A Câmara Municipal atribuiu ao
promotor imobiliário, a P…………, o alvará de licença de construção n° 318/C/2004.
// O processo de construção n° 1512/OB/2000, ... da Câmara Municipal de ……… e o
processo de parecer prévio cujos termos correm no IPPAR ... enfermam de vícios
susceptíveis de determinarem a sua nulidade ... //O conjunto de edifícios que o
promotor imobiliário ... se propunha construir situa-se na Zona de Protecção do
Aqueduto das Águas Livres, classificado como Monumento Nacional ... //(...) //
Em 10 de Agosto de 1998, foi publicada a portaria 512/98, que fixou a zona
especial de protecção conjunta do Museu Nacional de Arte Antiga e dos imóveis
classificados na sua área envolvente, nomeadamente, o troço do Aqueduto das
Águas Livres. // Os serviços da Câmara Municipal de………. solicitaram aos
serviços do R. IPPAR que se pronunciassem sobre dois estudos prévios
apresentados pelo promotor imobiliário ... // (...) // Em 15 de Setembro de
1997, os serviços do R. IPPAR deram parecer negativo à construção proposta,
justificando a sua posição com o fundamento de que deveria ser reformulada a
volumetria ... II (...) II Em Setembro de 1998, novamente os serviços do R.
IPPAR deram parecer negativo informando concretamente que o estudo além de «não
atender à condicionante expressa no anterior parecer do IPPAR, ..., propõe uma
solução volumétrica ao longo do Aqueduto que considero poder prejudicar o seu
enquadramento» ...//... em 12 de Abril de 1999, os serviços do R. IPPAR, não
obstante a clareza dos pareceres anteriores, dão parecer favorável à
construção. // (...) // Quer nos estudos prévios que apresentou, quer
posteriormente nos projectos, o promotor imobiliário violou o valor da área do
terreno onde o conjunto dos edifícios ia ser implantado. //(...)// ..., a
Avenida ………. faz parte, nos termos do Plano Director Municipal de ……, das
denominadas Áreas consolidadas de edifícios de utilização colectiva
habitacional ... // Sucede que os serviços da Câmara Municipal de ……..
autorizaram, sem realização da
realização da operação de loteamento
nem plano de pormenor, a edificação acima do solo de 16.700m2 ... // ...a P………,
... iniciou os trabalhos de construção, ... // - Sem proceder ao pagamento da
taxa devida pela licença de construção, ... // - Sem proceder ao pagamento da
taxa da realização de infraestruturas urbanas ... // ... Deste modo, a R.
P……….. nunca procedeu ao levantamento da licença de construção. II (...) II
Sabiam os RR. que o número de pisos acima da cota de soleira - 9 - e a cércea
indicada - 31,50 (...) violava ostensivamente o Plano Director Municipal ... ///
(...) // A área de construção é ... desproporcionada para o local ... //Na
construção dos edifícios, com o conhecimento e consentimento dos RR. IPPAR e
Município de Lisboa, a R. Portbuilding não respeitou a distância de 10 metros
relativamente ao muro do Aqueduto das Águas Livres ...// No local onde os
edifícios estão a ser construídos foi detectada há vários anos a existência de
um conjunto de grutas paleolíticas, denominadas Cova da Moura e Cova da Onça,
... cuja entrada estava vedada por uma parede de betão por motivos de
segurança. // (...) // Quer o parecer do IPPAR, quer a licença de construção n°
318/C/2004, são actos que violam os art.s 43° e 71° da Lei 107/2001, os rat.s
1°, 3°, n° 2, 4°, n° 2, 22°° e 23° da Lei n° 13/85, de
6 de Julho, o art. 59° do Regulamento
Geral das Edificações Urbanas e os art.s 54° e 55° do Plano Director Municipal
da cidade de ……….. // Tais actos ... constituem um verdadeiro atentado ...
contra o Aqueduto das Águas Livres e do Chafariz das Terras, que são monumentos
nacionais, e contra o património arqueológico ... // contra as regras do
urbanismo..." (idem);
4. As Entidades demandadas nesta
acção foram citadas 2006 (30. e 31.5, o Município de Lisboa e o IPPAR e em
Outubro, a Portbuilding) (de fls. não numeradas apensas);
5. E apresentaram contestações, tendo
a Portbuilding invocado a questão prévia da ilegitimidade activa, pugnando,
todas, pela improcedência da acção (de fls. não numeradas apensas).
6. Encontrando-se os respectivos
autos a aguardar que seja proferida decisão (cfr. de fls. 628);
7. Em 24.5.2007 foi instaurada a
presente acção pelo Ministério Público, ao abrigo do n° 2 do artigo 9° do CPTA,
contra o Município de …….. e o IPPAR - Instituto Português do Património
Arquitectónico, IP e a P……….- Investimentos ……….., SÁ,, na qualidade de
contra-interessados (cfr. de fls. 3 a 13);
8. Tendo sido formulado o pedido de
que seja declarado nulo o despacho de 27.6.2003 que deferiu a licença de
construção n° 318/C/04, a favor da Portbuilding, proferida pela Sra. Vereadora da
Câmara Municipal de …., Dra. E …………. (idem);
9. E sido invocado como fundamento do
pedido, designadamente: «Encontra-se em construção, na Avenida …………, nesta
cidade de L…………, um conjunto de cinco edifícios, denominado "Condomínio
Residencial …………. - ……………..", ... //A estes edifícios correspondem os
números de polícia 58 e 59. // A estas construções corresponde o processo de
construção n° 1512/08/2000, da Câmara Municipal de …………..// Esta edilidade
atribuiu ao promotor P……….. a licença de construção n° 318/C/2004.// ... // Os
edifícios ... estão a ser construídos em cima de uma extensão do Aqueduto das
Águas Livres, local que se encontra abrangido pela denominada Zona Especial de
Protecção ... II O Aqueduto das Águas Livres é um imóvel classificado como "Monumento
Nacional", constituindo sua parte integrante o Chafariz das Terras. //
Ora, a Portaria n° 512/98, de 10 de Agosto, fixou uma Zona Especial de
Protecção Conjunta do Museu Nacional de Arte Antiga, classificado como imóvel
de interesse público ..., e dos imóveis classificados da sua área envolvente.
// Por isso, em 22 de Agosto de 1997, a Câmara Municipal de Lisboa, solicitou
parecer ao IPPAR sobre a construção dos edifícios na Avenida Infante Santo, ...
II (...) II... o IPPAR, em 22 de Agosto, emitiu o seguinte parecer: //(...)//
E, em 15 de Setembro de 1998, emitiu outro parecer, ... // Daí resulta que o
IPPAR considerava excessiva a volumetria da construção de edifícios de
rés-do-chão e quatro pisos, paralelos ao Aqueduto. ... // Decorridos dois anos,
em 12 de Abril de 1999, o IPPAR emite novo parecer ... // Com este parecer,
viabilizou-se a solução apresentada pelo promotor P……….., ... // Acresce que a
Câmara Municipal de …………. autorizou a construção destes edifícios, a 10 metros
do Aqueduto das Águas Livres, em manifesta violação ao estatuído no art. 43° da
lei n° 107/2001, de 8 de Setembro ... // A zona da Avenida ………., ...,
encontra-se abrangida pelo Plano Director Municipal de Lisboa, ... // E os
terrenos onde estão a ser construídos os edifícios estão inseridos numa área de
nível de intervenção 2 (Área de Potencial Valor Arqueológico), pois ali foi
descoberto um conjunto de grutas paleolíticas de nominadas "Cova da
Moura" e Cova da Onça"... // (...) // A promotora Portbuilding colocou
junto à obra um aviso, onde se lê que se encontra em construção um edifico de
nove pisos acima da cota da soleira, sendo a cércea de 31,50 m e a área bruta
de construção de 28.060 m2, para u, terreno de 5.784 m2. // Sucede que, de
acordo com o Plano Director Municipal, para a zona apenas é possível construir
até oito pisos, sendo a cércea de 25 m e a área bruta de construção de
16.000m2. // (...) // Esta intervenção urbanística não foi precedida de
operação de loteamento. // E também não houve cedência de terrenos para o
domínio municipal, ... // (...) // Ao não ser precedida da operação de
loteamento, a licença outorgada pela Vereadora ... é nula, face ao disposto no
art. 68°, al. a) do RJVE.//(...)» (idem).
DO DIREITO
Relativamente à acção popular n°
1120/06 em que são AA João ………… e João ……………, é pedida a declaração de nulidade
do parecer proferido IPPAR e a licença de construção nº 318/C/2004 concedida
pelo Município de Lisboa à sociedade Portbuilding que assumem naqueles autos a
posição de RR.
Nos presentes autos o A é o
Ministério Público sendo os RR os mesmos sujeitos que figuram como tal na acção
nº 1120/06.
Ambas as acções são instauradas no
regime da acção popular, direito consagrado no artº 52º nº 3 CRP e com
expressão normativa ordinária na lei 83/95 de 31.08.
Do probatório resulta, conforme itens
2 e 8, que o pedido nestes autos faz parte do pedido múltiplo da acção nº
1120/06.
Do probatório resulta, conforme itens
3 e 9, que a substanciação do pedido nos presentes autos coincide com a
substanciação do pedido múltiplo da acção nº 1120/06.
De modo que no tocante aos requisitos
da litispendência – meio técnico destinado a evitar a repetição duma causa, por
pendência de causa idêntica àquela que se propôs, descrito no artº 498º nº 1
CPC – resta apenas saber /quanto à identidade de partes nos processos, do ponto
de vista da sua identidade jurídica face à relação jurídica substancial.
Na circunstância das duas acções em
causa a resposta é positiva, dado que em ambas as acções o que se visa é a
tutela jurisdicional de interesses difusos, sustentando a doutrina que no
domínio da Lei 83/95 “(..) o legislador português entendeu por bem consagrar
aquilo que nos parece ser uma legitimidade difusa, porquanto diversa da
legitimidade pública do Ministério Público (ou de outros entes públicos) e da
legitimidade individual dos sujeitos particulares, quebrando as amarras com a
tradicional construção dicotómica da legitimidade … com um pendor misto,
mesclada com uma parte individual e uma parte pública, da mesma forma que os interesses
difusos surgem na confluência da natureza pública com a natureza individual
pois “a defesa dos interesses difusos coincide com a defesa de interesses
públicos e a defesa de interesses individuais” . (..)” (1)
Donde se conclui pela identidade de
partes na exacta medida em que a intervenção do Ministério Público na presente
actio popularis tem por função a garantia da legalidade e prossecução do
interesse público, num modelo de contencioso objectivo na exacta medida em que
o “(..) interesse difuso não deixa de ser a forma concreta, plural e
heterogénea do interesse público (..)”, sendo que o interesse difuso “(..)
enquanto interesse pluri-individual, distingue-se do interesse colectivo por
carecer de um sujeito, ou sujeitos concreto(s) que surja(m) como seu(s)
titular(es); as situações jurídicas protegidas em correlação com esse
interesse, embora subjectiváveis através da contitularidade, ou não permitem a
identificação dos sujeitos ou essa identificação é feita “in base alla
persistenza di rapporti giuridichi rispetto al bene”, ou seja, como resultado
de uma definição através de um dado genérico, em que o universo de titulares é
variável. Pode dizer-se que se caracterizam por serem interesses “pluralistas,
solidários, comunitários e não patrimoniais” e, num certo sentido,
“desinteressados”. Para nós, apesar de não deixarmos de os perspectivar como
interesses subjectivos particulares, parece-nos que os interesses difusos se
apresentam como interesses ontologicamente públicos, porque o seu objecto é, em
termos qualitativos, idêntico ao objecto dos interesses públicos, na medida em
que é constituído por bens pluri-individuais, comuns a uma dada comunidade.
(..)” (2)
*O que significa, na senda da doutrina citada, que a caracterização legal da actio popularis como forma de defesa e prossecução de direitos uti civis (ou uti universis), e já não uti singuli, se traduz no alargamento da legitimidade activa a todos os cidadãos, pessoas colectivas e Ministério Público, concebendo-se a parte processual como categoria-universo geral e abstracta, não cabendo indagar da específica titularidade do interesse em demandar de cada sujeito em cada caso concreto.
Dito de outro modo, na acção popular
a legitimidade activa é um atributo da sociedade e não uma competência do
Ministério Público enquanto órgão do Estado, por isso é que a acção popular n°
1120/06 em que são AA duas pessoas singulares e nos presentes autos em que o A
é o Ministério Público, configura um caso de identidade jurídica na medida em
que todos intervêm uti civis.
***
Termos em que acordam, em
conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo
do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e
confirmar a sentença proferida.
Sem custas por isenção subjectiva
tributária.
Lisboa, 19.JAN.2012
(Cristina dos Santos) .................................................................................................................................................
(António Vasconcelos) ..............................................................................................................................................
(Paulo Carvalho) (Voto de vencido: Entendo que o M.P. não pode estar obrigado a aderir às acções populares que outros intentem. Por esta via o resultado é que isto permitiria a um interessado na manutenção do acto que soubesse que o M.P. ia intentar uma acção, intentá-la ele por interposta pessoa, propositadamente mal feita, e o M.P. nada podia fazer, pois só podia aderir à p.i.. Acho que as acções populares não eliminam a hipótese do M.P. intentar a sua própria acção, são um “plus” em termos de controle da legalidade em sede de urbanismo, não são uma substituição nem uma concorrência da legitimidade do M.P.).
Anabela Guerreiro - nº 363
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