domingo, 20 de maio de 2012

Processos Urgentes
J. Caupers

Por vezes, o tempo judicial pode obstar à realização da justiça em tempo útil, sendo que, uma das formas de tentar contrariar essa disfunção temporal é acelerar o tempo judicial quando as circunstâncias da vida reclamam uma justiça rápida. Assim, na justiça administrativa existem processos urgentes que se justificam por 3 ordens diversas:
  1. porque estão em causa os direitos mais relevantes das pessoas - são o caso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias e da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões;
  2. ou porque o litígio surge no decurso de um percurso que ainda não terminou e que não pode ser interrompido por muito tempo - são os casos das impugnações de actos administrativos em matéria eleitoral e de actos administrativos relativos à formação de certos contratos da administração pública;
  3. ou porque se corre o risco de a lenta marcha da justiça inutilizar a tutela judicial pretendida - é o que ocorre na chamada tutela cautelar.
Na legislação anterior verificava-se uma identificação tendencial entre processos urgentes, meios processuais acessórios e tutela cautelar: os processos cautelares constituiam meios processuais acessórios e eram urgentes. Esta coincidência forçada era causa de algumas dificuldades, nomeadamente quanto ao pedido de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, em que se tornava difícil sustentar o carácter acessório. A nova lei distingue claramente os processos urgentes - em que a causa da urgência não radica na intenção cautelar, mas na necessidade de, considerados outros factores, apressar a decisão judicial - e os processos cautelares - em que, aqui sim, está em causa a intenção de prevenir a ocorrência/agravamento dos danos, em resultado da previsível demora do processo judicial princípal, razão da urgência.

Intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias

A intimação, designada por pedido de intimação, antes da Reforma de 2002, consiste numa ordem dada pelo tribunal a alguém que adopte, ou se abstenha de adoptar, um certo comportamento. A intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias é uma novidade da Reforma de 2002. A ideia parece ser a de colocar à disposição dos interessados um meio rápido e flexível de obter tutela para um direito fundamental, no seu exercício em tempo útil, por um comportamento positivo ou omissivo da administração pública. Para Mário Aroso de Almeida trata-se, pois, de um instrumento que se define pelo conteúdo impositivo, condenatório, da tutela jurisdicional a que se dirige, cobrindo, de modo transversal, todo o universo das relações jurídico-administrativas.

A intimação é da competência do STA, quando a autoridade cuja intimação se requeira for uma das que se incluem na enumeração da al. a) do nº1 do art. 24º do ETAF; da competência dos tribunais administrativos de círculo, nos restantes casos.

A legitimidade activa para o pedido de intimação pertence a quem quer que necessite de tutela judicial a fim de não ver precludido o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia de que seja titular. A legitimidade passiva pertence, em primeira linha, ao órgão da administração que esteja a pôr em causa aquele exercício; mas pode também o requerimento ser dirigido contra um particular, designadamente um concessionário, quando a administração esteja a omitir a tomada de providências adequadas a prevenir ou a reprimir  condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do autor (art. 109º, nº2 do CPTA).

Para ser admissível o recurso a este meio processual, a lei (art. 109º, nº1 do CPTA) exige que não seja possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útildo direito em causa, o decretamento provisório de uma providência cautelar. Isto significa, segundo J. Caupers, que o legislador tratou esta intimação como um meio processual de carácter supletivo, sujeitando-a a um pressuposto processual específico negativo. A Profª Carla A. Gomes chama-lhe última ratio.

A tramitação da intimação encontra-se regulada nos nºs 1, 2 e 3 do art. 110º e no art. 111º do CPTA. Daqui sublinha-se os seguintes aspectos:
  • os prazos fixados são bastante reduzidos, reflectindo a urgência da decisão;
  • a faculdade que assiste ao juiz, quando reconheça a possibilidade de lesão eminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia, de encurtar ainda mais os prazos ou subsistituir a notificação do requerido para responder por escrito pela realização de uma audiência oral, no termo da qual tomará a sua decisão;
  • a faculdade, de que o juiz também dispõe, de alterar a forma de tramitação do processo, determinando, em consideração da complexidade da matéria, a adopção daquela que o código estabelece para a acção administrativa especial.
A decisão do processo de tramitação, quando favorável ao autor, determina sempre o comportamento que o intimado deve adoptar, podendo incluir a fixação de um prazo para o mesmo e a identificação do responsável (art. 110º, nº4 do CPTA). O eventual incumprimento da intimação sujeita o intimado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória (art. 110º, nº5 e 169º do CPTA).


Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões

Esta intimação foi introduzida no contencioso administrativo português pela Reforma de 1984/1985, sendo o seu objecto então limitado à consulta de documentos e à passagem de certidões, com a intenção de concretizar legislativamente o direito consignado no art. 268º, nº2 da CRP. Nessa reforma, o pedido de intimação foi tratado como um meio processual acessório, embora essa qualificação viesse a ser posta em causa por aqueles que defendiam que não existia qualquer relação de dependência entre o pedido de intimação e o meio processual principal a que o interessado deveria recorrer para fazer valer o seu direito ou interesse legítimo. Dando razão a essa tese, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, modificada pela Lei nº 8/95 de 29 de Março) viria a designar o meio processual apto a tutelar judicialmente o direito de acesso aos documentos administrativos por recurso (art. 17º), termo que correspondia então ao mais importante meio processual principal. No entanto, o art. 17º mandava aplicar ao processo judicial as regras do processo de intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões.
A Reforma de 2002 pôs termos às dúvidas e equívocos: a intimação é um meio processual autónomo, principal, de carácter urgente.

Todas as intimações para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões são da competência dos tribunais administrativos de círculo.

A legitimidade activa pertence a quem tenha solicitado, sem êxito, a obtenção de uma informação, a consulta de um processo administrativo, a passagem de uma certidão (art. 104º, nº1 do CPTA) ou, ainda, a compleição de uma notificação deficiente (art. 60º, nº2 do CPTA).
A legitimidade passiva pertence à entidade pública a quem o pedido haja sido dirigido.
A intimação deve ser requerida ao tribunal no prazo máximo de 20 dias (art. 105º do CPTA).
Quando ocorram as circunstâncias referidas no nº 2 do art. 60º do CPTA, i.e., quando o interessado haja requerido ao autor de um acto administrativo que o afecta e cuja notificação foi deficiente, a compleição dos elementos em falta na notificação do acto - requerimento que, a ser apresentado no prazo de 30 dias, interrompe o prazo de impugnação daquele (art. 60º, nº3) - e o autor do acto não haja  satisfeito o pedido, o requerimento de intimação mantém tal interrupção (parte final do art. 106º do CPTA e art. 60º, nº 3).
Note-se que tal efeito interruptivo do prazo de impugnação não se verifica se o tribunal vier a considerar que a intimação era desnecessária para possibilitar a impugnação do acto (art. 106º, nº2). Nos termos do nº1 do art. 106º, o efeito interruptivo do prazo cessa com:
  • o cumprimento da tramitação;
  • o trânsito em julgado da decisão que indefira o requerimento de impugnação que extinga a instância em virtude da administração ter satisfeito o pedido do interessado na pendência do processo de intimação.
A intimação está regulada no art. 107º do CPTA. Se o tribunal der razão ao requerente, fixa um prazo, não superior a 10 dias, para cumprimento da intimação; o eventual incumprimento desta sujeita o intimado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, para além da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que houver lugar (arts. 108º e 169º do CPTA).

Impugnações de actos pré-contratuais

Objectivos: procurar garantir que os particulares envolvidos em procedimentos de contratação pública, alegadamente lesados nos seus direitos e interesses legítimos por comportamentos das entidades públicas que conduzam tais procedimentos, tenham à sua disposição instrumentos processuais eficazes.

O primeiro aspecto a sublinhar relativamente a este meio processual é que ele não se aplica a todos os contratos da administração pública: somente pode ser utilizado no âmbito de procedimentos administrativos tendentes à celebração de contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens (art. 100º, nº1 CPTA).
O segundo aspecto a acentuar, é que este meio não só se aplica aos actos administrativos relativos à formação dos contratos em sentido próprio - a exclusão de um concorrente, a adjudicação do contrato, etc. - mas também, ao programa do concurso, ao caderno de encargos e a qualquer outro documento conformador do procedimento de formação daqueles contratos (art. 100º, nº 2).

Quando o autor do acto impugnado seja um dos incluídos na enumeração da al. a) do nº1 do art. 24º do ETAF, o tribunal competente é o STA; os tribunais administrativos de círculo são competentes nos restantes casos.

A legitimidade activa pertence a quem se sentir lesado pelo acto administrativo pré-contratual; a legitimidade passiva pertence à entidade pública ou ao ministério no âmbito da qual tiver sido praticado o acto. Convém não esquecer que o pedido deve ser dirigido também aqueles outros envolvidos no procedimento pré-contratual, ou seja, como dispõe o art. 10º do CPTA, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
O prazo para a utilização deste meio processual é de 1 mês, contado da notificação do acto aos interessados ou, se esta não existir, do seu conhecimento (art. 101º do CPTA).
Estes pedidos de impugnação são tramitados segundo o modelo da acção administrativa especial, com algumas particularidades decorrentes da natureza urgente do processo (art. 102º, nº1 do CPTA).

Impugnação dos actos administrativos em matéria eleitoral

A impugnação dos actos administrativos em matéria eleitoral encontra-se regulada nos arts. 97º a 99º do CPTA, aplicando-se subsidiariamente as normas relativas à impugnação de actos administrativos, constantes dos arts. 50º a 65º do CPTA (art. 97º, nº1).

O tribunal competente para processar os pedidos de impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral é o STA, quando a eleição em causa esteja prevista no ETAF (art. 24º, nº1, al. b). Relativamente à impugnação de actos em matéria eleitoral praticados no decurso de outros processos eleitorais no âmbito da jurisdição administrativa, a competência pertence aos tribunais administrativos de círculo.

A legitimidade activa pertence a quem, na eleição em causa, seja eleitor ou elegível e àqueles cujos nomes tenham sido omitidos nos cadernos eleitorais (art. 98º do CPTA). A legitimidade passiva pertence à entidade pública no âmbito da qual tenham sido praticados os actos/omissões impugnadas.
Caso não exista disposição especial aplicável ao processo eleitoral em causa, o prazo de impugnação é de 7 dias, contados da date em que seja possível do conhecimentos do acto/omissão (art. 98º, nº2).
Os pedidos de impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral são tramitados segundo as regras aplicáveis à acção administrativa especial (art. 99º, nº1 do CPTA), com as particularidades previstas nos nºs 2 e 3 do referido artigo.

Maria Ana C. Lima
Nº 13909

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