Acordam na Secção Administrativa do TCA – Sul
1. Relatório
H.............
W........... W............ e mulher G.......... I.......... W......., com
os sinais dos autos, intentaram no TAF de Loulé, contra o Município de Olhão,
acção administrativa especial, pedindo a anulação do despacho de 29.06.2010,
que determinou a demolição do 1º andar da moradia construída no prédio misto de
que são proprietários, sito na freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão,
bem como a condenação do Réu a reconhecer que as obras de ampliação do referido
1º andar, “foram realizadas e concluídas em 08.03.1994, antes da realização
da vistoria da obra efectuada pela Câmara Municipal no dia 05.05.1994”, e
condenando ainda o Réu “a realizar os actos administrativos necessários para
possibilitar os registos do edifício existente, tal qual ele é, na
Conservatória do Registo Predial de Olhão e na Repartição de Finanças de
Olhão”.
Por
sentença de 10.09.2010, a Mmª Juíza do TAF de Loulé julgou verificada a
excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário
passivo e absolveu o Réu da instância.
Inconformados,
os A.A. interpuseram recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas
alegações enunciaram as conclusões seguintes:
“1. Conforme resulta da "Decisão"
recorrida, o R. foi absolvido da instância, porque a Meritíssima Juiz do
Tribunal “a quo" julgou "verificada a excepção da
ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio
necessário passivo”.
2. Tal conclusão resulta do facto
de ter entendido que os "proprietários das casas n°s 7, 8 e 12, que os
Autores invocaram terem sido licenciadas e construídas após ter entrado em
vigor o Plano Director Municipal de Olhão e que são mencionadas expressamente no
art°14° da petição inicial da presente acção, não foram nesta indicados
como contra -interessados...".
3. Ora acontece que não existem contra -
interessados a ter em conta no presente processo.
4. Do artigo 57 do C.P.T.A. se conclui que são
contra -interessados as pessoas singulares ou colectivas a quem o provimento do
processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo
interesse na manutenção de acto impugnado e que possam ser identificados em
função da relação material em causa.
5. É omissa a Douta Sentença
recorrida, na indicação dos factos que permitem concluir que os proprietários
das casas 7, 8 e 12 possam ser directamente prejudicados com o provimento do
processo impugnatório, ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto
impugnado.
6. E não percebem os AA., como poderão os
proprietários de tais casas, serem directamente prejudicados com o provimento
do processo impugnatório ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter
na manutenção do acto impugnatório.
7. Diz o
art°13° da P.I. que a construção do 1° andar da moradia dos AA. " não
agride a passagem envolvente, onde a grande maioria das residências construídas
são constituídas por dois pisos (conforme as fotografias que se juntam como
Docs. 3 e 4 - que localizam em carta a localização das moradias e perspectivam
a distância entre as mesmas - Doc. 5 a 16").
8. E o
art°14° vem dizer que, "como por exemplo, as casas nºs 7, 8 e 12 já
foram licenciadas e construídas após a entrada em vigor do Plano
Director Municipal de Olhão".
9. Os AA.
não põem em causa a legalidade dos licenciamentos que permitiram a construção
de tais casas, sendo pois manifestamente claro que o provimento ou não do
processo impugnatório não afecta de qualquer modo a esfera jurídica dos
proprietários das casas 7, 8 e 12.
10. E o
pedido formulado na presente acção não ataca de qualquer modo quaisquer
direitos de que tais proprietários sejam titulares, sendo que, conforme se diz
na P.I., o 1° andar da casa dos AA. existe desde 1994.
11. É pois, evidente que não há
contra - interessados no presente processo impugnatório, cujo resultado só
interessa os AA. e ao R.
12. Conforme resulta do art°659° n°2 do CPC,
aplicável à presente acção por força do art°1 do CPTA, deveria a Douta Sentença
recorrida discriminar os factos que considera provados, para poder concluir,
que no caso concreto se verifica a "preterição de litisconsórcio
necessário passivo", o que, de facto não acontece, pois não
identifica os factos que permitam perceber que os proprietários das casas 7, 8
e 12, possam vir a ser de qualquer modo afectados com o provimento do processo
impugnatório, ou que tenham qualquer interesse na manutenção do acto posto em
crise no presente processo.
13. Ora,
porque não especifica os fundamentos de facto que permitam perceber que o
provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar os
proprietários das casas 7, 8 e 12, ou que estes tenham interesse na
manutenção do acto impugnado, a Douta Sentença recorrida é nula (art°668° n°1
alínea b) do CPC).
14. Sendo
certo que o provimento do processo impugnatório terá como consequência única,
que se mantenha sem ser demolido o 1° andar da casa dos AA. que existe desde
1994, e que nunca foi posto em causa por ninguém até à prática do acto
administrativo agora posto em crise.
15. É
pois evidente o erro de julgamento, porquanto, de facto não existem quaisquer
contra - interessados, e portanto, não se verifica "a excepção da
ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio
necessário passivo" como pretende a Meritíssima Juiz do Tribunal
"a quo", o que sempre iria impor a revogação da Douta Sentença
recorrida.
O Réu não
contra-alegou.
A Digna
Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte parece:
“ (…) Vem
o presente recurso jurisdicional interposto pelos Autores, da sentença que
considerou de absolver a entidade demandada da instância por ilegitimidade
passiva, dada a falta de litisconsórcio necessário, por omissão de
identificação de contra -interessados.
De facto, os ora recorrentes não se conformaram com
a sentença, defendendo que não existem contra-interessados
na presente acção.
E
afigura-se-nos terem inteira razão.
Na
verdade, com todo o devido respeito, parece-nos que a douta sentença recorrida
resulta de mero lapso tão evidente se nos afigura a inexistência de contra-interessados no caso vertente.
Efectivamente, como resulta do art°57° do CPTA, são
contra-interessados os que, com
interesses semelhantes à da entidade demandada, pretendem a manutenção do acto
impugnado.
Ora, no
caso vertente, a manutenção do acto impugnado é a ordem de demolição do
primeiro andar da moradia dos Autores.
Assim
cabe perguntar que interesse é que os moradores dos prédios vizinhos teriam na
referida demolição, atendendo ao referido nos art°s 13° e 14° da petição.
E a
resposta só pode ser, evidentemente, negativa.
Quando
muito e só quase por absurdo, tê-lo-iam na sua anulação, a fim de a entidade
demandada não vir a rever os processos de licenciamento também das casa vizinhas,
(embora aqui se tratasse de um interesse manifestamente indirecto e, como tal,
totalmente fora do âmbito do pedido formulado nesta acção).
Parece-nos
assim, salvo o devido respeito, ter havido alguma confusão sobre o conceito de
"contra-interessado".
Bem
andaram, pois, os Autores ao não terem invocado como contra-interessados os proprietários dos prédios vizinhos com
mais do que um piso.
Termos em
que nos pronunciamos pela procedência do presente recurso jurisdicional com
a consequente revogação da sentença, devendo os autos baixar à primeira
instância a fim de ser produzida e (ou) apreciada a prova dos factos invocados
pelas partes com vista à respectiva fixação, necessária à decisão da acção.
(…)”.
Colhidos
os vistos legais, cumpre decidir.
2.2. De
direito
Em sede
de fundamentação jurídica, a decisão recorrida expendeu o seguinte:
“ (…) Os
Autores, na presente acção, pedem designadamente a anulação do despacho
constante do ofício n°008994, de 29 de Junho de 2010, que determinou a
demolição do 1° andar da moradia construída no prédio misto de que são
proprietários, sito em Bias do Sul, freguesia de Moncarapacho, concelho de
Olhão.
Importa,
nesta fase inicial e visando a economia de actos processuais, determo-nos na
avaliação da legitimidade passiva.
Assim, no
que toca à legitimidade passiva dos proprietários das casas n°s 7, 8 e 12 que
os Autores invocam terem sido "licenciadas e
construídas, após ter entrado em vigor o Plano Director Municipal de
Olhão" e que são mencionados expressamente no art°14° da petição
inicial da presente acção, não foram nesta indicados como Contra-Interessados, em ordem ao previsto na
alínea f) do n°2 do artº78° e na alínea f) do n°1 do art°89°, ambos do CPTA,
pelo que cabe apreciar e decidir a questão da excepção da ilegitimidade
passiva, por preterição de litisconsórcio necessário.
Com
efeito, como referimos o processo encontra-se no início da sua tramitação
processual e verifica-se que, desde logo, deveriam os sobreditos proprietários
das aludidas moradias, que à semelhança do acto de licenciamento que os Autores
viram indeferido, pretensamente naquele caso foi-lhes concedido, figurar na
presente acção, para, querendo, contestar o que se lhes aproveita in casu.
Aliás, a título exemplificativo, refira-se que o CPTA tem um cuidado acrescido
com a necessidade de também ser proporcionado aos Contra-Interessados
o conhecimento de que o processo administrativo foi junto aos autos e caso não
lhes "tiver
sido facultada, em tempo útil" a consulta do mesmo, dispõem aqueles do
prazo de 15 dias para a apresentação da contestação — vide n°5 do seu art°83°.
Por outro
lado, a oponibilidade da decisão é um factor de peso a ter em conta na
indispensabilidade de os Contra-Interessados
pleitearem. Tal, serve de fundamento de que os proprietários das casas que
constam nas fotografias dos documentos n.°s 11, 12 e 16 da petição inicial,
teriam interesse directo em contradizer presente acção.
Com
efeito, de acordo com o estabelecido no n°2 do art°28° do CPC aplicável ex vi
do art°1° do CPTA "é igualmente necessária a intervenção
de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela
seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A
decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando
embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação
concreta das partes relativamente ao pedido formulado".
Este
litisconsórcio necessário é forçoso por imperativo legal, como preceitua o
preceituado no art°57° do CPTA: "Para além da
entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do
processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo
interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em
função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo
".
Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo
Esteves de Oliveira in CPTA
Anotado, Almedina, 2004, p 375, os Contra-interessados
são "as pessoas que serão directamente desfavorecidas, nos seus
direitos e interesses, pela procedência na acção instaurada, do mesmo modo que
o autor sairia favorecido por isso". Estes autores, concretizam que
Contra-Interessado (...) é alguém que tem um interesse directo e pessoal na
manutenção do acto impugnado". Reforçam que "são, sim, pessoas
que, embora não tenham visto a sua esfera jurídica (directamente) beneficiada
pelo acto impugnado, se encontram ligadas a este (por motivos abstractos ou)
por razões especiais e juridicamente tuteladas de qualquer modo ".
Assim sendo, os proprietários in casu que eventualmente
obtiveram o acto de licenciamento para construção das suas moradias, situação
contrária à que se verificou com os Autores e que estes identificam no seu
articulado inicial - vide
art°14° - terão obrigatoriamente que ser demandados.
Não o tendo sido, verifica-se a preterição de
litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n°2 do art°28° do CPC
aplicável ex vi
do art°1° do CPTA e do art°57°CPTA.
A referida preterição gera ilegitimidade passiva, é
uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento da causa e conduz à absolvição
da instância, à luz do disposto na alínea d) do n°1 do art°288° e alínea e) do
art°494°, ambos do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA e da alínea d) do n°1 do art°89° do CPTA.
(…)
Nestes termos, julgo verificada a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade
Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a
absolvo da instância. (…)”.
A
conclusão da decisão recorrida derivou do facto de ter entendido que os
proprietários das casas nºs.7, 8 e 12, que os Autores, ora recorrentes,
invocaram ter sido iniciadas e construídas após ter entrado em vigor o P.D.M.
de Olhão, mencionadas no artigo 14º da petição inicial, não foram nesta
indicados como contra-interessados, em
ordem ao previsto na alínea f) do nº2 do artigo 78º e na alínea f) do nº1 do
artigo 89º, ambos do CPTA.
É certo
que a “falta de identificação dos contra-interessados”,
obsta ao prosseguimento, mas nada nos autos indica que tais contra-interessados existam.
Como prescreve o artigo 57º do C.P.T.A.: "Para
além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do
processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo
interesse na manutenção do acto impugnado, e que possam ser identificados em
função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo
administrativo ".
Como é sabido, a obrigatoriedade da identificação
dos contra-interessados que
resulta dos artigos 57º e 68º nº2 do C.P.T.A., configura uma situação de litisconsórcio
necessário passivo, pelo que a falta dessa identificação conduz à
absolvição da instância, que, todavia, não deve ser decretada sem previamente
se dar oportunidade ao demandante de providenciar pelo suprimento da excepção
dilatória em causa (artºs 88º nº2 e 89º nº1, alínea f) do C.P.T.A.) - cfr.
Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de
Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, notas ao artigo 57º;
Isabel Celeste Fonseca, “Direito Processual Administrativo”, 3ªed., p.70).
Mas o que
sucede nos autos é que a sentença recorrida é omissa na indicação dos factos
com base nos quais se poderia concluir que os proprietários das casas 7, 8 e 12
poderiam ser prejudicados com o provimento do processo impugnatório, ou possuir
legitimo interesse na manutenção do acto impugnado.
Também os
A.A., ora recorrentes, não percepcionam como poderão os proprietários daquelas
casas ser directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório
ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter na manutenção do acto
impugnado.
É de
concluir, portanto, que no caso concreto não existem contra-interessados, o que impõe a revogação da sentença
recorrida.
Carlos Lanção, Aluno 16335.
Blog da Sub turma 1 da Faculdade de Direito da Universidade De Lisboa no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo e Tributário leccionada pelo Sr. Prof. Vasco Pereira da Silva. Um blog para todos os que sintam o apelo a estudar o contencioso administrativo e a reflectir sobre ele.
Páginas
- Página inicial
- Intervenientes na Simulação
- Hipótese Simulação
- Prazos Actos Processuais
- Providência cautelar
- Petição Inicial
- Notificação para Contestação de Articulado Superveniente
- Notificação Para apresentação de prova
- Despacho Audiência
- Despacho Saneador
- Audiência Pública
- Sentença Cautelar
- Sentença Prc. 200/2011
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo: 07771/11 Secção: CA- 2º JUÍZO Data do Acordão: 26-01-2012 Relator: COELHO DA CUNHA Descritores: CONTRA-INTERESSADOS. ARTIGO 57º DO C.P.T.A., LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE LEGÍTIMO INTERESSE NA MANUTENÇÃO DO ACTO OU DE PREJUÍZO DIRECTO PELO PROVIMENTO DO PROCESSO IMPUGNATÓRIO.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.