quarta-feira, 23 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo: 07771/11 Secção: CA- 2º JUÍZO Data do Acordão: 26-01-2012 Relator: COELHO DA CUNHA Descritores: CONTRA-INTERESSADOS. ARTIGO 57º DO C.P.T.A., LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE LEGÍTIMO INTERESSE NA MANUTENÇÃO DO ACTO OU DE PREJUÍZO DIRECTO PELO PROVIMENTO DO PROCESSO IMPUGNATÓRIO.

Acordam na Secção Administrativa do TCA – Sul

1. Relatório
H............. W........... W............ e mulher G.......... I.......... W......., com os sinais dos autos, intentaram no TAF de Loulé, contra o Município de Olhão, acção administrativa especial, pedindo a anulação do despacho de 29.06.2010, que determinou a demolição do 1º andar da moradia construída no prédio misto de que são proprietários, sito na freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão, bem como a condenação do Réu a reconhecer que as obras de ampliação do referido 1º andar, “foram realizadas e concluídas em 08.03.1994, antes da realização da vistoria da obra efectuada pela Câmara Municipal no dia 05.05.1994”, e condenando ainda o Réu “a realizar os actos administrativos necessários para possibilitar os registos do edifício existente, tal qual ele é, na Conservatória do Registo Predial de Olhão e na Repartição de Finanças de Olhão”.
Por sentença de 10.09.2010, a Mmª Juíza do TAF de Loulé julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo e absolveu o Réu da instância.
Inconformados, os A.A. interpuseram recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciaram as conclusões seguintes:
“1. Conforme resulta da "Decisão" recorrida, o R. foi absolvido da instância, porque a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo" julgou "verificada a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo”.
2. Tal conclusão resulta do facto de ter entendido que os "proprietários das casas n°s 7, 8 e 12, que os Autores invocaram terem sido licenciadas e construídas após ter entrado em vigor o Plano Director Municipal de Olhão e que são mencionadas expressamente no art°14° da petição inicial da presente acção, não foram nesta indicados como contra -interessados...".
3. Ora acontece que não existem contra - interessados a ter em conta no presente processo.
4. Do artigo 57 do C.P.T.A. se conclui que são contra -interessados as pessoas singulares ou colectivas a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção de acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa.
5. É omissa a Douta Sentença recorrida, na indicação dos factos que permitem concluir que os proprietários das casas 7, 8 e 12 possam ser directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório, ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.
6. E não percebem os AA., como poderão os proprietários de tais casas, serem directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter na manutenção do acto impugnatório.
7. Diz o art°13° da P.I. que a construção do 1° andar da moradia dos AA. " não agride a passagem envolvente, onde a grande maioria das residências construídas são constituídas por dois pisos (conforme as fotografias que se juntam como Docs. 3 e 4 - que localizam em carta a localização das moradias e perspectivam a distância entre as mesmas - Doc. 5 a 16").
8. E o art°14° vem dizer que, "como por exemplo, as casas nºs 7, 8 e 12 já foram licenciadas e construídas após a entrada em vigor do Plano Director Municipal de Olhão".
9. Os AA. não põem em causa a legalidade dos licenciamentos que permitiram a construção de tais casas, sendo pois manifestamente claro que o provimento ou não do processo impugnatório não afecta de qualquer modo a esfera jurídica dos proprietários das casas 7, 8 e 12.
10. E o pedido formulado na presente acção não ataca de qualquer modo quaisquer direitos de que tais proprietários sejam titulares, sendo que, conforme se diz na P.I., o 1° andar da casa dos AA. existe desde 1994.
11. É pois, evidente que não há contra - interessados no presente processo impugnatório, cujo resultado só interessa os AA. e ao R.
12. Conforme resulta do art°659° n°2 do CPC, aplicável à presente acção por força do art°1 do CPTA, deveria a Douta Sentença recorrida discriminar os factos que considera provados, para poder concluir, que no caso concreto se verifica a "preterição de litisconsórcio necessário passivo", o que, de facto não acontece, pois não identifica os factos que permitam perceber que os proprietários das casas 7, 8 e 12, possam vir a ser de qualquer modo afectados com o provimento do processo impugnatório, ou que tenham qualquer interesse na manutenção do acto posto em crise no presente processo.
13. Ora, porque não especifica os fundamentos de facto que permitam perceber que o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar os proprietários das casas 7, 8 e 12, ou que estes tenham interesse na manutenção do acto impugnado, a Douta Sentença recorrida é nula (art°668° n°1 alínea b) do CPC).
14. Sendo certo que o provimento do processo impugnatório terá como consequência única, que se mantenha sem ser demolido o 1° andar da casa dos AA. que existe desde 1994, e que nunca foi posto em causa por ninguém até à prática do acto administrativo agora posto em crise.
15. É pois evidente o erro de julgamento, porquanto, de facto não existem quaisquer contra - interessados, e portanto, não se verifica "a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo" como pretende a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", o que sempre iria impor a revogação da Douta Sentença recorrida.
O Réu não contra-alegou.
A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte parece:
“ (…) Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelos Autores, da sentença que considerou de absolver a entidade demandada da instância por ilegitimidade passiva, dada a falta de litisconsórcio necessário, por omissão de identificação de contra -interessados.
De facto, os ora recorrentes não se conformaram com a sentença, defendendo que não existem contra-interessados na presente acção.
E afigura-se-nos terem inteira razão.
Na verdade, com todo o devido respeito, parece-nos que a douta sentença recorrida resulta de mero lapso tão evidente se nos afigura a inexistência de contra-interessados no caso vertente.
Efectivamente, como resulta do art°57° do CPTA, são contra-interessados os que, com interesses semelhantes à da entidade demandada, pretendem a manutenção do acto impugnado.
Ora, no caso vertente, a manutenção do acto impugnado é a ordem de demolição do primeiro andar da moradia dos Autores.
Assim cabe perguntar que interesse é que os moradores dos prédios vizinhos teriam na referida demolição, atendendo ao referido nos art°s 13° e 14° da petição.
E a resposta só pode ser, evidentemente, negativa.
Quando muito e só quase por absurdo, tê-lo-iam na sua anulação, a fim de a entidade demandada não vir a rever os processos de licenciamento também das casa vizinhas, (embora aqui se tratasse de um interesse manifestamente indirecto e, como tal, totalmente fora do âmbito do pedido formulado nesta acção).
Parece-nos assim, salvo o devido respeito, ter havido alguma confusão sobre o conceito de "contra-interessado".
Bem andaram, pois, os Autores ao não terem invocado como contra-interessados os proprietários dos prédios vizinhos com mais do que um piso.
Termos em que nos pronunciamos pela procedência do presente recurso jurisdicional com a consequente revogação da sentença, devendo os autos baixar à primeira instância a fim de ser produzida e (ou) apreciada a prova dos factos invocados pelas partes com vista à respectiva fixação, necessária à decisão da acção. (…)”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.2. De direito
Em sede de fundamentação jurídica, a decisão recorrida expendeu o seguinte:
“ (…) Os Autores, na presente acção, pedem designadamente a anulação do despacho constante do ofício n°008994, de 29 de Junho de 2010, que determinou a demolição do 1° andar da moradia construída no prédio misto de que são proprietários, sito em Bias do Sul, freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão.
Importa, nesta fase inicial e visando a economia de actos processuais, determo-nos na avaliação da legitimidade passiva.
Assim, no que toca à legitimidade passiva dos proprietários das casas n°s 7, 8 e 12 que os Autores invocam terem sido "licenciadas e construídas, após ter entrado em vigor o Plano Director Municipal de Olhão" e que são mencionados expressamente no art°14° da petição inicial da presente acção, não foram nesta indicados como Contra-Interessados, em ordem ao previsto na alínea f) do n°2 do artº78° e na alínea f) do n°1 do art°89°, ambos do CPTA, pelo que cabe apreciar e decidir a questão da excepção da ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário.
Com efeito, como referimos o processo encontra-se no início da sua tramitação processual e verifica-se que, desde logo, deveriam os sobreditos proprietários das aludidas moradias, que à semelhança do acto de licenciamento que os Autores viram indeferido, pretensamente naquele caso foi-lhes concedido, figurar na presente acção, para, querendo, contestar o que se lhes aproveita in casu. Aliás, a título exemplificativo, refira-se que o CPTA tem um cuidado acrescido com a necessidade de também ser proporcionado aos Contra-Interessados o conhecimento de que o processo administrativo foi junto aos autos e caso não lhes "tiver sido facultada, em tempo útil" a consulta do mesmo, dispõem aqueles do prazo de 15 dias para a apresentação da contestação — vide n°5 do seu art°83°.
Por outro lado, a oponibilidade da decisão é um factor de peso a ter em conta na indispensabilidade de os Contra-Interessados pleitearem. Tal, serve de fundamento de que os proprietários das casas que constam nas fotografias dos documentos n.°s 11, 12 e 16 da petição inicial, teriam interesse directo em contradizer presente acção.
Com efeito, de acordo com o estabelecido no n°2 do art°28° do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA "é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado".
Este litisconsórcio necessário é forçoso por imperativo legal, como preceitua o preceituado no art°57° do CPTA: "Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo ".
Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in CPTA Anotado, Almedina, 2004, p 375, os Contra-interessados são "as pessoas que serão directamente desfavorecidas, nos seus direitos e interesses, pela procedência na acção instaurada, do mesmo modo que o autor sairia favorecido por isso". Estes autores, concretizam que Contra-Interessado (...) é alguém que tem um interesse directo e pessoal na manutenção do acto impugnado". Reforçam que "são, sim, pessoas que, embora não tenham visto a sua esfera jurídica (directamente) beneficiada pelo acto impugnado, se encontram ligadas a este (por motivos abstractos ou) por razões especiais e juridicamente tuteladas de qualquer modo ".
Assim sendo, os proprietários in casu que eventualmente obtiveram o acto de licenciamento para construção das suas moradias, situação contrária à que se verificou com os Autores e que estes identificam no seu articulado inicial - vide art°14° - terão obrigatoriamente que ser demandados.
Não o tendo sido, verifica-se a preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n°2 do art°28° do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA e do art°57°CPTA.
A referida preterição gera ilegitimidade passiva, é uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento da causa e conduz à absolvição da instância, à luz do disposto na alínea d) do n°1 do art°288° e alínea e) do art°494°, ambos do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA e da alínea d) do n°1 do art°89° do CPTA.
(…) Nestes termos, julgo verificada a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a absolvo da instância. (…)”.
A conclusão da decisão recorrida derivou do facto de ter entendido que os proprietários das casas nºs.7, 8 e 12, que os Autores, ora recorrentes, invocaram ter sido iniciadas e construídas após ter entrado em vigor o P.D.M. de Olhão, mencionadas no artigo 14º da petição inicial, não foram nesta indicados como contra-interessados, em ordem ao previsto na alínea f) do nº2 do artigo 78º e na alínea f) do nº1 do artigo 89º, ambos do CPTA.
É certo que a “falta de identificação dos contra-interessados”, obsta ao prosseguimento, mas nada nos autos indica que tais contra-interessados existam.
Como prescreve o artigo 57º do C.P.T.A.: "Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado, e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo ".
Como é sabido, a obrigatoriedade da identificação dos contra-interessados que resulta dos artigos 57º e 68º nº2 do C.P.T.A., configura uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a falta dessa identificação conduz à absolvição da instância, que, todavia, não deve ser decretada sem previamente se dar oportunidade ao demandante de providenciar pelo suprimento da excepção dilatória em causa (artºs 88º nº2 e 89º nº1, alínea f) do C.P.T.A.) - cfr. Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, notas ao artigo 57º; Isabel Celeste Fonseca, “Direito Processual Administrativo”, 3ªed., p.70).
Mas o que sucede nos autos é que a sentença recorrida é omissa na indicação dos factos com base nos quais se poderia concluir que os proprietários das casas 7, 8 e 12 poderiam ser prejudicados com o provimento do processo impugnatório, ou possuir legitimo interesse na manutenção do acto impugnado.
Também os A.A., ora recorrentes, não percepcionam como poderão os proprietários daquelas casas ser directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter na manutenção do acto impugnado.
É de concluir, portanto, que no caso concreto não existem contra-interessados, o que impõe a revogação da sentença recorrida.





Carlos Lanção, Aluno 16335.

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