sexta-feira, 25 de maio de 2012

Funções do ministério Público



O Ministério Público pode ter um conjunto de papéis diferenciado nos tribunais administrativos. O ministério público pode ser autor quando propõe ações no âmbito da ação pública. Como nos refere o art 9 nº2 CPTA o ministério público tem legitimidade para propor e intervir em processos principais e cautelares em defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos. Mas o ministério públicotambém representa o estado, fazendo o papel de advogado em ações administrativas comuns propostas contra o estado em matéria de responsabilidade civil ou respeitante a contratos.

Ao Ministério público cabe representar o estado e não qualquer outra atividade-art 51º ETAF e neste âmbito apenas nos casos previstos no art 11 nº2 CPTA

Para alêm disso o art 85º refere que o Ministério Publico pode intervir em processos administrativos em que não seja parte e que sigam a forma de ação administrativa especial no sentido de defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos relevantes ou de alguns dos valores referidos no art 9nº2.

A intervenção do Ministério público visa contribuir para o esclarecim ento dos fatos e a melhor aplicação do direito e pode traduzir-se num requerimento dirigido a solicitar a realização de diligências instrutórias ou num parecer sobre o mérito da causa no sentido de auxiliar o tribunal a tomar decisão sobre o caso em apreço.

Hoje em dia este tipo de intervenção do Ministério público já não é obrigatória, e tem lugar uma única vez na fase processual , e só quando o Ministério público considere que ele se justifica em função da importância da matéria em causa, versando apenas sobre questões substantivas e não processuais.

O Ministério público também tem intervenção no âmbito dos recursos jurisdicionais não interpostos por si, assim como nos recursos interpostos de decisões ilegais e de recursos para uniformização de jurisprudência e de recursos de revisão.


Esquema
Funções do M. Público nos trib. Ad   

Ação ad especial                                                                          ação ad comum                                   

-O M.Público pode propor e intervir                                          -O M. Público pode representar
em processos em defesa de valores                                            o estado em ações propostas contra
e bens constitucionalmente protegidos                                        o estado no âmbito da resp civil ou
dos cidadãos -art 9nº2                                                              de contratos-art 11nº2


Recursos jurisdicionais

-Intervem em recursos não interpostos por si
-Recursos interpostos de decisões ilegais
bmbmbmb-Recursos de revisão

Bibliografia- Manual de processo ad- Prof Mário Aroso de Almeida

Trabalho realizado por Ana Maria da Costa Gonçalves
subturma 1- nº 14939




                                                                                                          

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Comentário ao Acórdão 0964/04, publicado em 18.03.2012

A leitura do acórdão em questão é de tal forma esclarecedora que o único comentário devido é de que a acção de condenação do Estado à pratica de acto devido ainda não conseguiu resolver de forma cabal a tutela de determinados direitos dos particulares face à administração já que esta, conforme consta da matéria subjacente a este processo, tem o poder de alterar factos/realidades que directamente vão influir no citado direito.

O que estava aqui em causa era o facto de o Governo ter aprovado por DL de 2001, a atribuição de um subsídio de representação externa do Estado às carreiras inspectivas dos vários Ministérios, que dependeria de regulamentação própria a aprovar no prazo de 90 dias a contar da publicação do citado DL.

Na realidade, a regulamentação deste subsídio foi sendo feita a conta gotas nas várias carreiras inspectivas. E 11 anos mais tarde ainda há carreiras inspectivas do Estado relativamente às quais este Regulamento nunca viu a luz do dia.

Caso caricato foi este da DGT, em que, tendo havido necessidade de recorrer aos tribunais para efeitos de reconhecimento do direito à atribuição deste subsídio e consequente condenação do Estado à prática de acto devido (regulamentação do mesmo), após ganho de causa dos funcionários se verificou a “impossibilidade absoluta de emitir normas regulamentares por força da alteração do quadro legal aplicável”, que naturalmente implicou a improcedência do pedido, nos termos do art. 45º do CPTA, e determinou que aos mesmos fosse usurpado um direito judicialmente reconhecido e devido (entre outras coisas correspondente a um subsídio de montante igual a 22,5% do vencimento, com efeitos reportados ao mês de Junho de 2000) e em substituição lhes fosse atribuída uma mera compensação em razão da “expropriação do direito à execução”, tudo porque o Estado, no tempo que durou a acção extinguiu a carreira em causa tendo integrado os seus profissionais num outro organismo.


Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida (art. 45º, 1 do CPTA).


Susana Silva - Aluna 18428

Princípios Gerais do Processo Administrativo


Princípios Gerais do Processo Administrativo

São duas as ideias estruturantes do processo.
Por um lado, vale a ideia de que o processo serve fundamentalmente os interesses das partes litigantes, de modo que às entidades públicas e, especificamente, ao juiz cabe primacialmente uma função de árbitro, que só actua mediante pedido e se limita a verificar o cumprimento das regras do jogo para assegurar um processo justo ("fairness") - esta ideia exprime-se normalmente pelos princípios do dispositivo ou da autoresponsabilidade das partes.
Por outro lado, o processo judicial, tendo em conta a proibição de autodefesa, é visto como uma forma de realização de interesses públicos, que são exteriores e transcendem os interesses dos litigantes e que, por isso, implicam um envolvimento e impõem uma intervenção autónoma das autoridades judiciárias, em especial do juiz - a ideia exprime-se, em regra, pelos princípios do inquisitório, da oficiosidade e da oficialidade.

1. Principios relativos à promoção ou iniciativa processual

1.1 Princípio da necessidade do pedido

Este princípio decorre de uma característica estrutural-funcional do poder judicial, enquanto poder do Estado – os tribunais são órgãos “indiferentes”, imparciais e “inoficiosos” quando dirimem um litigio. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.

1.2 Princípio da promoção alternativa, particular ou publica

No processo administrativo, a iniciativa cabe normalmente aos particulares, interessados na proposição das acções destinadas a salvaguardar e a promover os seus direitos e interesses (principio do dispositivo). A esta iniciativa particular soma-se a iniciativa popular, seja individual, seja colectiva, para defesa de determinados valores, bens ou interesses comunitários, bem como, no que respeita aos processos mais típicos (as acções administrativas especiais), o poder geral de iniciativa do Ministério Público, na sua veste de magistratura encarregada da defesa da legalidade administrativa (principio da oficialidade).
A iniciativa dos processos pode pertencer ainda as entidade e aos órgãos administrativos, que podem surgir nos processos na qualidade de autores, quer na defesa dos direitos e interesses que lhes cumpra defender, quer como autoridades fiscalizadoras da legalidade.
Nos processos iniciados pelos particulares, vale o princípio da liberdade de iniciativa, visto que o direito de acção, constituindo embora um direito fundamental dos administrados, consagrado na Constituição e na Lei, é uma liberdade ou um direito disponível.
Podemos ainda falar de um princípio de liberdade e de um direito fundamental de acção, quando esteja em causa a acçao popular para defesa de valores, bens e interesses comunitários, pelo menos quando ela seja da iniciativa dos particulares, embora, na hipótese da acçao colectiva, tenha de se tratar de interesses inscritos nas finalidades das respectivas associações e fundações.
Quando se trate da iniciativa das pessoas colectivas publicas ou de órgãos administrativos para a defesa dos interesses que lhes cumpra por lei defender – aí o exercício do direito de acçao deve entender-se funcionalizado à realização desses interesses, no âmbito do correcto desempenho das suas atribuições e competências. A funcionalização torna-se ainda mais clara quando se trate do cumprimento de uma função de defesa da ilegalidade, confiada a órgãos administrativos - a iniciativa está aí necessariamente sujeita ao princípio da legalidade, embora se possa admitir, em maior ou menor grau, consoante as matérias, alguma discricionariedade.

2. Os principios relativos ao âmbito do processo (ou à determinação do thema decidendum et respondendum)

2.1 Princípio da resolução global da situação litigiosa

Uma das preocupações normativas do processo administrativo reformado é a de, na perspectiva de uma tutela judicial plena, permitir que sejam considerados nos mesmo processo todos os aspectos de uma situação litigiosa, mesmo que complexa, a fim de assegurar uma decisão que satisfaça inteiramente os interesses das partes. Por exemplo, a amplitude com que é admitida a cumulação de pedidos - não só originária mas também sucessiva, através da modificação objectiva da instância -, mesmo quando lhes correspondam diferentes formas de processo e devam ser dirigidos a tribunais diversos (desde que dentro do âmbito da jurisdição administrativa), ou a franqueza com que é ordenada a apensação de processos.
Também o conhecimento oficioso dos vícios no âmbito dos processos de impugnação de actos administrativos, para além de constituir uma excepçao à limitação do juiz pelo pedido, se justificará como tentativa de resolver de uma vez a questão sobre a legalidade do acto.

2.2 Princípio da vinculação do juiz ao pedido (principio da congruência ou da correspondência entre a decisão e o pedido)

A neutralidade judicial pretende assegurar a correspondência entre o pedido e a decisão que vai ser tomada, num duplo sentido: o tribunal não pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas parte, devendo, por outro lado, apreciar todas as questões pertinentes que as partes submetam à sua apreciação. Interessa aqui fundamentalmente a dimensão negativa, que proíbe o excesso judicial. Por exemplo, nos pedidos de impugnatórios (impugnação de actos ou pedido de declaração de ilegalidade de normas), o tribunal não pode conhecer da legalidade de acto ou de norma diferentes dos que foram impugnados (sendo aí, aliás, em rigor, a vinculação ao pedido e ao objecto).

2.3 Princípio da limitação do juiz pela causa de pedir (principio da substanciação)

Há uma limitação do juiz pela causa de pedir, de modo que, o tribunal só possa basear a sua decisão em factos invocados no processo como fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido. Este princípio não vale, porem, hoje nos processos administrativos de impugnação, em virtude da relevância do interesse publico na fiscalização da legalidade das normas e actos administrativos. Não vale, desde logo, no âmbito dos processos de declaração de ilegalidade de normas, em que sempre se reconheceu ao juiz a faculdade de declarar a ilegalidade com fundamento na violação de disposições ou principios diversos daqueles cuja violação foi inovocada. Não vale hoje igualmente, nos pedidos de impugnação de actos administrativos, pois que o tribunal pode conhecer oficiosamente os vícios (ilegalidades) do acto, isto é, o comportamento específico da Administração violador de normas jurídicas.

2.4 Princípio da estabilidade objectiva da instância

É uma manifestação tradicional do princípio do dispositivo, segundo o qual, o pedido e a causa de pedir – que, juntamente com o objecto delimitam a “instância” – são, em regra, determinados no inicio do processo, designadamente na petição inicial, mantendo-se a partir do despacho liminar de aceitação até à decisão final.
Este principio não vale inteiramente no processo administrativo, sofrendo limitações importantes, designadamente nos processos que seguem a forma de acção administrativa especial. Exemplos disso, são os preceitos que constam dos artigos 51º/4; 63º; 64º; 70º/1; 86º e 91º/5; 85º nºs 2,3 e 4, todos do CPTA.

3. Princípios relativos à prossecução processual

3.1 Princípios da tipicidade, da compatibilidade processual e da adequação formal da tramitação

O princípio da tipicidade dos tramites processuais constitui uma manifestação do principio da tipicidade das formas processuais, impondo que os tramites e a respectiva sequencia sejam fixados por lei, diferentemente do que é característico do procedimento administrativo, em regra mais flexível.
A lei de processo administrativo, ao pretender facilitar a cumulação de pedidos, determina a compatibilidade entre diversas formas de processo, que não obstam à cumulação – a solução legal é a da aplicação da forma de acçao administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias (art. 5º/1 CPTA).

3.2 Principio dispositivo

Este principio determina, no que respeita à condução do processo, que compete às partes interessadas (e não ao juiz, como seria próprio do principio do inquisitório) a dinamização do processo. Exemplo disso são os artigos 62º, 88º/4 e 159º/1 CPTA.

3.3 Princípio do Contraditório

Este principio impõe, em geral, que seja dada oportunidade de intervenção efectiva a todos os participantes no processo, com a finalidade de permitir ao juiz uma decisão imparcial e fundada, atendendo às razoes de ambas as partes litigantes (de acordo com o velho brocardo: audiatur et altera pars).
Contudo, o princípio significa também, a garantia de que não sejam admitidas provas, nem proferidas quaisquer decisões desfavoráveis a um sujeito (a um particular, autor ou contra-interessado), sem que este seja ouvido sobre a matéria, em termos de lhe ser dada previamente ampla e efectiva possibilidade de a discutir.

4. Princípios relativos à prova

4.1 Princípio da livre apreciação de prova

Estabelece que o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, formada de acordo com a sua experiencia da vida e não a aplicação de “tábuas de valores pré-fixadas na lei”.
A livre convicção do julgador na avaliação dos factos não representa, porém, um arbítrio ou puro subjectivismo, já que, para além da força probatória legal de determinadas provas (designadamente documentais), essa convicção ou certeza prática tem como pressupostos valorativos os critérios da experiencia comum e da logica do homem médio (bonnus pater famílias), havendo de ser racional e susceptivel de motivação, em termos de se lhe reconhecer capacidade de convencimento objectiva e controlável.
O princípio é ainda limitado pelo princípio do contraditório, na medida em que não pode ser proferida decisão com base em facto probatórios sobre os quais as partes, em especial a parte desfavorecida, não tenha tido oportunidade de se pronunciar.


Margarida Isabel Ramos
(nº 15381)





O Deferimento Tácito e a Acção de Condenação à Prática do Acto Devido

A questão a que se pretende responder é a seguinte: nos casos previstos pelo art. 108º do Código do Procedimento Administrativo - doravante CPA-  em que a omissão administrativa determina a aprovação ou autorização da pretensão do particular, haverá ainda lugar ao pedido de condenação do art. 67º, n.º1, alínea a) do Código dos Tribunais Administrativos - doravante CPTA?


Vejamos:
O art. 67º, nº 1, alínea a) CPTA corresponde a situações de inércia ou omissão, em que a Administração incumpre o dever de decisão perante requerimento apresentado por particular.
A figura do deferimento tácito vem regulada no art. 108º CPA e consiste numa ficção legal de deferimento. Os casos previstos nas alíneas do nº 3 do art. 108º são hipóteses em que o legislador assumiu que a regra, segundo a experiência comum, seria a do deferimento. São portanto situações em que, nos casos expressamente previstos, a lei associa ao decorrer do prazo para a tomada de decisão a ficção de que a pretensão do particular está de acordo com as exigências legais e portanto atribui à inércia da Administração o significado de deferimento.

Será assim de afirmar que o significado atribuído à ausência de decisão pelo órgão competente substitui, para todos os efeitos, o acto administrativo omitido?
O Prof. Mário Aroso de Almeida responde positivamente, considerando, consequentemente, que em situações de deferimento tácito não haverá lugar à acção de condenação à prática de acto devido (art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA), uma vez que a produção desse acto já resultou da lei. O Prof. abre, no entanto, a hipótese de ser proposta uma acção comum para o reconhecimento de que o acto tácito se produziu (art. 37º, n.º 2, alínea a) CPTA) ou para a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar (art. 37º, n.º 2, alínea 3) CPTA). Neste último caso, embora o Prof. não se pronuncie, a parte do artigo aplicável seria apenas a segunda parte, uma vez que considera o acto de deferimento tácito como acto administrativo.

Pelo contrário, o nosso Regente, Prof. Vasco Pereira da Silva, separa a produção de efeitos decorrente da ficção legal e a actuação intencional e materializada da Administração para admitir que um deferimento tácito possa ser seguido de uma acção de condenação à prática de acto devido. O Prof. parte do raciocínio do Prof. Aroso de Almeida – o surgimento de um acto administrativo em resultado do deferimento tácito – para afirmar que, mesmo que assim fosse, não seria de afastar a acção condenatória especial, pois esta tanto pode ter lugar em relação a omissões como a actuações administrativas desfavoráveis. Considera ainda que, mesmo que se diga que o deferimento tácito é uma ficção legal com efeitos positivos e por isso, em princípio, favorável ao particular, o pedido de condenação deve ser admitido pelo menos em duas situações:
1. “ quando o deferimento tácito não corresponda integralmente às pretensões do particular, pelo que, pode ser considerado como parcialmente desfavorável”;
2. “quando o deferimento tácito, numa relação jurídica multilateral, seja favorável em relação a alguns dos sujeitos mas não em relação aos demais”.
Estas situações em que, para além dos efeitos positivos decorrentes da ficção legal, existem também efeitos desfavoráveis, mostram o quão criticável é a figura do deferimento tácito, a qual, perante o novo contencioso perdeu grande parte da sua razão de ser. 

Luís Filipe Colaço Antunes tem uma afirmação que o demonstra: “a acção para a determinação da prática de acto legalmente devido bem poderia ter aqui serventia, eliminando esta sombra de verdade jurídica que é o silêncio positivo”.

João Tiago da Silveira apresenta uma solução que parece ser de criticar porque se afasta imenso daquilo que pretende ser o instituto da condenação à prática do ato devido e que pretende superar a falta de protecção jurídica que advém da ausência de actuação administrativa. Este autor defende a criação de um método de reconhecimento extra-judicial dos deferimentos tácitos a cargo de uma entidade externa que emitisse um certificado que valesse como o acto em falta.    

Em suma, o deferimento tácito deverá ser interpretado como mero facto a incluir na norma do art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA e em nada altera o acesso ao meio processual, integrado na acção especial de condenação à prática de acto devido. Só assim se assegura a garantia dos direitos subjectivos dos particulares, e se atribui maior certeza e segurança na sua relação com a Administração.

Ana Catarina Teixeira
16449


CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO
(algumas considerações)



Uma das principais manifestações de mudança de paradigma na lógica do Contencioso administrativo foi a consagração de uma acção de condenação à prática do acto administrativo devido (arts. 66º e seguintes do CPA), enquanto modalidade de acção administrativa especial (qualificada em razão do pedido).

Antes, em razão do princípio de separação de poderes o juiz só podia anular actos administrativos, mas nunca poderia dar ordens de qualquer espécie às autoridades administrativas.

A invocação da interpretação politica francesa do princípio da separação de poderes, de tão repetida, quase que se transformava em argumento de ordem jurídica, fazendo esquecer que assentava na confusão entre julgar e administrar, assim como no equívoco de considerar que condenar a administração era a mesma coisa que praticar actos em vez dela, ou que substituir a actuação das autoridades administrativas.

Ora, é sabido que uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos devidos, decorrentes da preterição de poderes legais vinculados,  o que corresponde à tarefa de julgar; completamente diferente será o tribunal praticar actos em vez da Administração, ou invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da Administração no domínio  da discricionariedade administrativa, que corresponde  ao âmbito da tarefa de administrar e em que, por isso, já pode fazer sentido invocar o princípio da separação de poderes.

Refira-se, relativamente ao referido poder discricionário, que ele não pode ser considerado um poder à margem da lei, ou como uma excepção ao princípio da legalidade mas sim como um modo de realização do direito no caso concreto mediante escolhas que, sendo da responsabilidade da administração, não são ilimitadamente livres, pelo que é sempre possível o controlo jurisdicional dos respectivos parâmetros (competência, fim, proporcionalidade, igualdade, imparcialidade…..), daí podendo resultar sentenças de condenação (na pedida dos aspectos vinculados do poder discricionário).

A admissibilidade de sentenças de condenação da administração não só não é contrária a nenhum dos princípios da Justiça Administrativa, não havendo por isso que invocar o princípio de separação de poderes em vão, como é mesmo a forma mais adequada para reagir contra comportamentos administrativos que, por acção ou omissão, lesam direitos dos particulares decorrentes da negação de actos legalmente devidos.

Na sequência da revisão constitucional de 1982, o legislador da reforma do Contencioso Administrativo de 1984-85 vai adoptar um novo meio processual: a acção para reconhecimento de direitos legalmente protegidos (art. 69º LEPTA). Esta nova acção, destinada a assegurar a tutela efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas, não poderia ser considerada como de aplicação meramente supletiva ou subsidiária, sobretudo se interpretada à luz dos preceitos constitucionais, mas antes se colocava numa relação de complementaridade com os demais meios processuais. O que permitia abrir caminho na lógica do contencioso de mera anulação e possibilitar a condenação da Administração na prática de actos administrativos devidos, nomeadamente em caso de omissão ilegal, em que o particular poderia optar entre intentar a acção para o reconhecimento de direitos ou utilizar antes a via tradicional do recurso de anulação do indeferimento tácito.

É com a revisão de 1997 que a possibilidade de determinação da prática de actos legalmente devidos é estabelecida de forma expressa como componente essencial do princípio da tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares em face da Administração, o qual constitui o novo centro do Contencioso Administrativo (art. 268º/4 CRP). Possuindo natureza de direito fundamental esta disposição era imediatamente aplicável (art. 18º/1 CRP).

Existem, assim, duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de um “acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado” (art. 66º/1 CPA). Modalidades de acção que correspondem aos dois pedidos principais que podem ser suscitados através de mecanismo processual: o de condenação na produção de acto administrativo (de conteúdo) favorável ao particular, em substituição de acto desfavorável anteriormente praticado.

Importante será não cair no erro clássico do Contencioso Administrativo de confundir o pedido apenas com a sua dimensão de pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor) esquecendo a vertente do pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar através desse efeito), nem muito menos tomar aquele (qualquer um dos dois, imediato ou mediato) pela integralidade do objecto do processo, esquecendo a causa de pedir (o acto ou facto que constitui a razão jurídica da actuação em juízo). Pois uma noção adequada de objecto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerando-os como dois aspectos do direito substantivo invocado. Pedido e causa de pedir apresentação como verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial, ou seja, o direito substancial afirmado.

Assim, é certo que o pedido (imediato) da acção de condenação é o que se destina a obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, e que o “acto devido” é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.

Esta visão do objecto do processo que, de acordo com a lógica tradicional, sobrevaloriza o pedido imediato relativamente ao mediato, poderá não ser susceptível de abarcar a integralidade do objecto da acção de condenação à prática do acto devido, além de se encontrar em desconformidade com as soluções legais.

Ao regular esta subespécie de acção administrativa especial, o CPA valoriza de forma muito evidente (e ao contrário do que era a tradição anterior, de um contencioso marcado pelos traumas da mera anulação e do processo ao acto), o pedido mediato sobre o imediato, adoptando uma concepção ampla de objecto de processo que abrange ainda a consideração da causa de pedir. Pois, se estabelece que tanto quanto quando se está perante um caso de omissão ilegal (mesmo para quem considere que dela resulta um qualquer acto silente) como quando se trata de um caso de acto de conteúdo negativo: o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória (art.66º/2 CPA).

Posto isto, podem ser retirados dois resultados:

- O objecto do processo não é nunca o acto administrativo mesmo quando a Administração tinha antes praticado um acto desfavorável para o particular, mas sim o direito do particular a uma determinada conduta da administração, correspondente a uma vinculação legal de agir, ou de actuar de uma determinada maneira (que pode ter lugar mesmo no domínio da discricionariedade – o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar à prática de um acto de indeferimento, o objecto do processo não se define por referência a esse acto. – Pelo que, é irrelevante a existência ou não de um acto administrativo prévio e, mesmo quando ele exista, a apreciação jurisdicional não incide sobre o acto.

- O objecto do processo corresponde à pretensão do interessado, que o mesmo é dizer, tratando-se de uma acção para defesa de interesses próprios, ao direito subjectivo do particular (pedido mediato), que foi lesado pela omissão ou pela a actuação ilegal da Administração (causa de pedir), pelo que o objecto do processo é o direito subjectivo do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa (substantiva). O código, para referir este objecto do processo, utiliza a expressão, um pouco equivoca do ponto de vista substantivo, “pretensão”. O que está em causa será o direito subjectivo do particular, para cuja defesa actua em juízo e não uma qualquer pretensão, mas cuja a utilização pelo legislador pode-se compreender como sendo destinada a abranger também o objecto do processo quando esteja em causa a acção pública ou a acção popular, que, algo discutivelmente, o legislador quis também consagrar neste meio processual de matriz subjectivista.


João Oliveira
Nº 16708

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo: 07771/11 Secção: CA- 2º JUÍZO Data do Acordão: 26-01-2012 Relator: COELHO DA CUNHA Descritores: CONTRA-INTERESSADOS. ARTIGO 57º DO C.P.T.A., LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE LEGÍTIMO INTERESSE NA MANUTENÇÃO DO ACTO OU DE PREJUÍZO DIRECTO PELO PROVIMENTO DO PROCESSO IMPUGNATÓRIO.

Acordam na Secção Administrativa do TCA – Sul

1. Relatório
H............. W........... W............ e mulher G.......... I.......... W......., com os sinais dos autos, intentaram no TAF de Loulé, contra o Município de Olhão, acção administrativa especial, pedindo a anulação do despacho de 29.06.2010, que determinou a demolição do 1º andar da moradia construída no prédio misto de que são proprietários, sito na freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão, bem como a condenação do Réu a reconhecer que as obras de ampliação do referido 1º andar, “foram realizadas e concluídas em 08.03.1994, antes da realização da vistoria da obra efectuada pela Câmara Municipal no dia 05.05.1994”, e condenando ainda o Réu “a realizar os actos administrativos necessários para possibilitar os registos do edifício existente, tal qual ele é, na Conservatória do Registo Predial de Olhão e na Repartição de Finanças de Olhão”.
Por sentença de 10.09.2010, a Mmª Juíza do TAF de Loulé julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo e absolveu o Réu da instância.
Inconformados, os A.A. interpuseram recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciaram as conclusões seguintes:
“1. Conforme resulta da "Decisão" recorrida, o R. foi absolvido da instância, porque a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo" julgou "verificada a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo”.
2. Tal conclusão resulta do facto de ter entendido que os "proprietários das casas n°s 7, 8 e 12, que os Autores invocaram terem sido licenciadas e construídas após ter entrado em vigor o Plano Director Municipal de Olhão e que são mencionadas expressamente no art°14° da petição inicial da presente acção, não foram nesta indicados como contra -interessados...".
3. Ora acontece que não existem contra - interessados a ter em conta no presente processo.
4. Do artigo 57 do C.P.T.A. se conclui que são contra -interessados as pessoas singulares ou colectivas a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção de acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa.
5. É omissa a Douta Sentença recorrida, na indicação dos factos que permitem concluir que os proprietários das casas 7, 8 e 12 possam ser directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório, ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.
6. E não percebem os AA., como poderão os proprietários de tais casas, serem directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter na manutenção do acto impugnatório.
7. Diz o art°13° da P.I. que a construção do 1° andar da moradia dos AA. " não agride a passagem envolvente, onde a grande maioria das residências construídas são constituídas por dois pisos (conforme as fotografias que se juntam como Docs. 3 e 4 - que localizam em carta a localização das moradias e perspectivam a distância entre as mesmas - Doc. 5 a 16").
8. E o art°14° vem dizer que, "como por exemplo, as casas nºs 7, 8 e 12 já foram licenciadas e construídas após a entrada em vigor do Plano Director Municipal de Olhão".
9. Os AA. não põem em causa a legalidade dos licenciamentos que permitiram a construção de tais casas, sendo pois manifestamente claro que o provimento ou não do processo impugnatório não afecta de qualquer modo a esfera jurídica dos proprietários das casas 7, 8 e 12.
10. E o pedido formulado na presente acção não ataca de qualquer modo quaisquer direitos de que tais proprietários sejam titulares, sendo que, conforme se diz na P.I., o 1° andar da casa dos AA. existe desde 1994.
11. É pois, evidente que não há contra - interessados no presente processo impugnatório, cujo resultado só interessa os AA. e ao R.
12. Conforme resulta do art°659° n°2 do CPC, aplicável à presente acção por força do art°1 do CPTA, deveria a Douta Sentença recorrida discriminar os factos que considera provados, para poder concluir, que no caso concreto se verifica a "preterição de litisconsórcio necessário passivo", o que, de facto não acontece, pois não identifica os factos que permitam perceber que os proprietários das casas 7, 8 e 12, possam vir a ser de qualquer modo afectados com o provimento do processo impugnatório, ou que tenham qualquer interesse na manutenção do acto posto em crise no presente processo.
13. Ora, porque não especifica os fundamentos de facto que permitam perceber que o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar os proprietários das casas 7, 8 e 12, ou que estes tenham interesse na manutenção do acto impugnado, a Douta Sentença recorrida é nula (art°668° n°1 alínea b) do CPC).
14. Sendo certo que o provimento do processo impugnatório terá como consequência única, que se mantenha sem ser demolido o 1° andar da casa dos AA. que existe desde 1994, e que nunca foi posto em causa por ninguém até à prática do acto administrativo agora posto em crise.
15. É pois evidente o erro de julgamento, porquanto, de facto não existem quaisquer contra - interessados, e portanto, não se verifica "a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo" como pretende a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", o que sempre iria impor a revogação da Douta Sentença recorrida.
O Réu não contra-alegou.
A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte parece:
“ (…) Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelos Autores, da sentença que considerou de absolver a entidade demandada da instância por ilegitimidade passiva, dada a falta de litisconsórcio necessário, por omissão de identificação de contra -interessados.
De facto, os ora recorrentes não se conformaram com a sentença, defendendo que não existem contra-interessados na presente acção.
E afigura-se-nos terem inteira razão.
Na verdade, com todo o devido respeito, parece-nos que a douta sentença recorrida resulta de mero lapso tão evidente se nos afigura a inexistência de contra-interessados no caso vertente.
Efectivamente, como resulta do art°57° do CPTA, são contra-interessados os que, com interesses semelhantes à da entidade demandada, pretendem a manutenção do acto impugnado.
Ora, no caso vertente, a manutenção do acto impugnado é a ordem de demolição do primeiro andar da moradia dos Autores.
Assim cabe perguntar que interesse é que os moradores dos prédios vizinhos teriam na referida demolição, atendendo ao referido nos art°s 13° e 14° da petição.
E a resposta só pode ser, evidentemente, negativa.
Quando muito e só quase por absurdo, tê-lo-iam na sua anulação, a fim de a entidade demandada não vir a rever os processos de licenciamento também das casa vizinhas, (embora aqui se tratasse de um interesse manifestamente indirecto e, como tal, totalmente fora do âmbito do pedido formulado nesta acção).
Parece-nos assim, salvo o devido respeito, ter havido alguma confusão sobre o conceito de "contra-interessado".
Bem andaram, pois, os Autores ao não terem invocado como contra-interessados os proprietários dos prédios vizinhos com mais do que um piso.
Termos em que nos pronunciamos pela procedência do presente recurso jurisdicional com a consequente revogação da sentença, devendo os autos baixar à primeira instância a fim de ser produzida e (ou) apreciada a prova dos factos invocados pelas partes com vista à respectiva fixação, necessária à decisão da acção. (…)”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.2. De direito
Em sede de fundamentação jurídica, a decisão recorrida expendeu o seguinte:
“ (…) Os Autores, na presente acção, pedem designadamente a anulação do despacho constante do ofício n°008994, de 29 de Junho de 2010, que determinou a demolição do 1° andar da moradia construída no prédio misto de que são proprietários, sito em Bias do Sul, freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão.
Importa, nesta fase inicial e visando a economia de actos processuais, determo-nos na avaliação da legitimidade passiva.
Assim, no que toca à legitimidade passiva dos proprietários das casas n°s 7, 8 e 12 que os Autores invocam terem sido "licenciadas e construídas, após ter entrado em vigor o Plano Director Municipal de Olhão" e que são mencionados expressamente no art°14° da petição inicial da presente acção, não foram nesta indicados como Contra-Interessados, em ordem ao previsto na alínea f) do n°2 do artº78° e na alínea f) do n°1 do art°89°, ambos do CPTA, pelo que cabe apreciar e decidir a questão da excepção da ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário.
Com efeito, como referimos o processo encontra-se no início da sua tramitação processual e verifica-se que, desde logo, deveriam os sobreditos proprietários das aludidas moradias, que à semelhança do acto de licenciamento que os Autores viram indeferido, pretensamente naquele caso foi-lhes concedido, figurar na presente acção, para, querendo, contestar o que se lhes aproveita in casu. Aliás, a título exemplificativo, refira-se que o CPTA tem um cuidado acrescido com a necessidade de também ser proporcionado aos Contra-Interessados o conhecimento de que o processo administrativo foi junto aos autos e caso não lhes "tiver sido facultada, em tempo útil" a consulta do mesmo, dispõem aqueles do prazo de 15 dias para a apresentação da contestação — vide n°5 do seu art°83°.
Por outro lado, a oponibilidade da decisão é um factor de peso a ter em conta na indispensabilidade de os Contra-Interessados pleitearem. Tal, serve de fundamento de que os proprietários das casas que constam nas fotografias dos documentos n.°s 11, 12 e 16 da petição inicial, teriam interesse directo em contradizer presente acção.
Com efeito, de acordo com o estabelecido no n°2 do art°28° do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA "é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado".
Este litisconsórcio necessário é forçoso por imperativo legal, como preceitua o preceituado no art°57° do CPTA: "Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo ".
Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in CPTA Anotado, Almedina, 2004, p 375, os Contra-interessados são "as pessoas que serão directamente desfavorecidas, nos seus direitos e interesses, pela procedência na acção instaurada, do mesmo modo que o autor sairia favorecido por isso". Estes autores, concretizam que Contra-Interessado (...) é alguém que tem um interesse directo e pessoal na manutenção do acto impugnado". Reforçam que "são, sim, pessoas que, embora não tenham visto a sua esfera jurídica (directamente) beneficiada pelo acto impugnado, se encontram ligadas a este (por motivos abstractos ou) por razões especiais e juridicamente tuteladas de qualquer modo ".
Assim sendo, os proprietários in casu que eventualmente obtiveram o acto de licenciamento para construção das suas moradias, situação contrária à que se verificou com os Autores e que estes identificam no seu articulado inicial - vide art°14° - terão obrigatoriamente que ser demandados.
Não o tendo sido, verifica-se a preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n°2 do art°28° do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA e do art°57°CPTA.
A referida preterição gera ilegitimidade passiva, é uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento da causa e conduz à absolvição da instância, à luz do disposto na alínea d) do n°1 do art°288° e alínea e) do art°494°, ambos do CPC aplicável ex vi do art°1° do CPTA e da alínea d) do n°1 do art°89° do CPTA.
(…) Nestes termos, julgo verificada a excepção da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada por preterição de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a absolvo da instância. (…)”.
A conclusão da decisão recorrida derivou do facto de ter entendido que os proprietários das casas nºs.7, 8 e 12, que os Autores, ora recorrentes, invocaram ter sido iniciadas e construídas após ter entrado em vigor o P.D.M. de Olhão, mencionadas no artigo 14º da petição inicial, não foram nesta indicados como contra-interessados, em ordem ao previsto na alínea f) do nº2 do artigo 78º e na alínea f) do nº1 do artigo 89º, ambos do CPTA.
É certo que a “falta de identificação dos contra-interessados”, obsta ao prosseguimento, mas nada nos autos indica que tais contra-interessados existam.
Como prescreve o artigo 57º do C.P.T.A.: "Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado, e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo ".
Como é sabido, a obrigatoriedade da identificação dos contra-interessados que resulta dos artigos 57º e 68º nº2 do C.P.T.A., configura uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a falta dessa identificação conduz à absolvição da instância, que, todavia, não deve ser decretada sem previamente se dar oportunidade ao demandante de providenciar pelo suprimento da excepção dilatória em causa (artºs 88º nº2 e 89º nº1, alínea f) do C.P.T.A.) - cfr. Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, notas ao artigo 57º; Isabel Celeste Fonseca, “Direito Processual Administrativo”, 3ªed., p.70).
Mas o que sucede nos autos é que a sentença recorrida é omissa na indicação dos factos com base nos quais se poderia concluir que os proprietários das casas 7, 8 e 12 poderiam ser prejudicados com o provimento do processo impugnatório, ou possuir legitimo interesse na manutenção do acto impugnado.
Também os A.A., ora recorrentes, não percepcionam como poderão os proprietários daquelas casas ser directamente prejudicados com o provimento do processo impugnatório ou qual o legítimo interesse que os mesmos possam ter na manutenção do acto impugnado.
É de concluir, portanto, que no caso concreto não existem contra-interessados, o que impõe a revogação da sentença recorrida.





Carlos Lanção, Aluno 16335.