Princípios Gerais do
Processo Administrativo
São duas as ideias estruturantes do processo.
Por um lado, vale a ideia de que o processo serve
fundamentalmente os interesses das partes litigantes, de modo que às entidades
públicas e, especificamente, ao juiz cabe primacialmente uma função de árbitro,
que só actua mediante pedido e se limita a verificar o cumprimento das regras
do jogo para assegurar um processo justo ("fairness") - esta ideia
exprime-se normalmente pelos princípios do dispositivo ou da autoresponsabilidade
das partes.
Por outro lado, o processo judicial, tendo em conta a proibição
de autodefesa, é visto como uma forma de realização de interesses públicos, que
são exteriores e transcendem os interesses dos litigantes e que, por isso,
implicam um envolvimento e impõem uma intervenção autónoma das autoridades judiciárias,
em especial do juiz - a ideia exprime-se, em regra, pelos princípios do
inquisitório, da oficiosidade e da oficialidade.
1. Principios
relativos à promoção ou iniciativa processual
1.1 Princípio da necessidade do pedido
Este princípio decorre de uma característica estrutural-funcional
do poder judicial, enquanto poder do Estado – os tribunais são órgãos
“indiferentes”, imparciais e “inoficiosos” quando dirimem um litigio. O
tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem
que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
1.2 Princípio da promoção alternativa, particular ou
publica
No processo administrativo, a iniciativa cabe normalmente
aos particulares, interessados na proposição das acções destinadas a salvaguardar
e a promover os seus direitos e interesses (principio do dispositivo). A esta
iniciativa particular soma-se a iniciativa popular, seja individual, seja
colectiva, para defesa de determinados valores, bens ou interesses
comunitários, bem como, no que respeita aos processos mais típicos (as acções
administrativas especiais), o poder geral de iniciativa do Ministério Público,
na sua veste de magistratura encarregada da defesa da legalidade administrativa
(principio da oficialidade).
A iniciativa dos processos pode pertencer ainda as entidade
e aos órgãos administrativos, que podem surgir nos processos na qualidade de
autores, quer na defesa dos direitos e interesses que lhes cumpra defender,
quer como autoridades fiscalizadoras da legalidade.
Nos processos iniciados pelos particulares, vale o
princípio da liberdade de iniciativa, visto que o direito de acção,
constituindo embora um direito fundamental dos administrados, consagrado na
Constituição e na Lei, é uma liberdade ou um direito disponível.
Podemos ainda falar de um princípio de liberdade e de um
direito fundamental de acção, quando esteja em causa a acçao popular para
defesa de valores, bens e interesses comunitários, pelo menos quando ela seja
da iniciativa dos particulares, embora, na hipótese da acçao colectiva, tenha
de se tratar de interesses inscritos nas finalidades das respectivas
associações e fundações.
Quando se trate da iniciativa das pessoas colectivas
publicas ou de órgãos administrativos para a defesa dos interesses que lhes
cumpra por lei defender – aí o exercício do direito de acçao deve entender-se
funcionalizado à realização desses interesses, no âmbito do correcto desempenho
das suas atribuições e competências. A funcionalização torna-se ainda mais
clara quando se trate do cumprimento de uma função de defesa da ilegalidade,
confiada a órgãos administrativos - a iniciativa está aí necessariamente sujeita
ao princípio da legalidade, embora se possa admitir, em maior ou menor grau,
consoante as matérias, alguma discricionariedade.
2. Os principios
relativos ao âmbito do processo (ou à determinação do thema decidendum et
respondendum)
2.1 Princípio da resolução global da situação litigiosa
Uma das preocupações normativas do processo administrativo
reformado é a de, na perspectiva de uma tutela judicial plena, permitir que
sejam considerados nos mesmo processo todos os aspectos de uma situação
litigiosa, mesmo que complexa, a fim de assegurar uma decisão que satisfaça
inteiramente os interesses das partes. Por exemplo, a amplitude com que é admitida
a cumulação de pedidos - não só originária mas também sucessiva, através da
modificação objectiva da instância -, mesmo quando lhes correspondam diferentes
formas de processo e devam ser dirigidos a tribunais diversos (desde que dentro
do âmbito da jurisdição administrativa), ou a franqueza com que é ordenada a
apensação de processos.
Também o conhecimento oficioso dos vícios no âmbito dos
processos de impugnação de actos administrativos, para além de constituir uma
excepçao à limitação do juiz pelo pedido, se justificará como tentativa de
resolver de uma vez a questão sobre a legalidade do acto.
2.2 Princípio da vinculação do juiz ao pedido (principio da
congruência ou da correspondência entre a decisão e o pedido)
A neutralidade judicial pretende assegurar a correspondência
entre o pedido e a decisão que vai ser tomada, num duplo sentido: o tribunal não
pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas
parte, devendo, por outro lado, apreciar todas as questões pertinentes que as
partes submetam à sua apreciação. Interessa aqui fundamentalmente a dimensão negativa,
que proíbe o excesso judicial. Por exemplo, nos pedidos de impugnatórios (impugnação
de actos ou pedido de declaração de ilegalidade de normas), o tribunal não pode
conhecer da legalidade de acto ou de norma diferentes dos que foram impugnados
(sendo aí, aliás, em rigor, a vinculação ao pedido e ao objecto).
2.3 Princípio da limitação do juiz pela causa de pedir (principio
da substanciação)
Há uma limitação do juiz pela causa de pedir, de modo que,
o tribunal só possa basear a sua decisão em factos invocados no processo como
fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido. Este princípio não vale,
porem, hoje nos processos administrativos de impugnação, em virtude da relevância
do interesse publico na fiscalização da legalidade das normas e actos
administrativos. Não vale, desde logo, no âmbito dos processos de declaração de
ilegalidade de normas, em que sempre se reconheceu ao juiz a faculdade de
declarar a ilegalidade com fundamento na violação de disposições ou principios
diversos daqueles cuja violação foi inovocada. Não vale hoje igualmente, nos
pedidos de impugnação de actos administrativos, pois que o tribunal pode
conhecer oficiosamente os vícios (ilegalidades) do acto, isto é, o
comportamento específico da Administração violador de normas jurídicas.
2.4 Princípio da estabilidade objectiva da instância
É uma manifestação tradicional do princípio do dispositivo,
segundo o qual, o pedido e a causa de pedir – que, juntamente com o objecto
delimitam a “instância” – são, em regra, determinados no inicio do processo,
designadamente na petição inicial, mantendo-se a partir do despacho liminar de
aceitação até à decisão final.
Este principio não vale inteiramente no processo
administrativo, sofrendo limitações importantes, designadamente nos processos
que seguem a forma de acção administrativa especial. Exemplos disso, são os
preceitos que constam dos artigos 51º/4; 63º; 64º; 70º/1; 86º e 91º/5; 85º nºs
2,3 e 4, todos do CPTA.
3. Princípios
relativos à prossecução processual
3.1 Princípios da tipicidade, da compatibilidade processual
e da adequação formal da tramitação
O princípio da tipicidade dos tramites processuais
constitui uma manifestação do principio da tipicidade das formas processuais,
impondo que os tramites e a respectiva sequencia sejam fixados por lei,
diferentemente do que é característico do procedimento administrativo, em regra
mais flexível.
A lei de processo administrativo, ao pretender facilitar a
cumulação de pedidos, determina a compatibilidade entre diversas formas de
processo, que não obstam à cumulação – a solução legal é a da aplicação da
forma de acçao administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias
(art. 5º/1 CPTA).
3.2 Principio dispositivo
Este principio determina, no que respeita à condução do
processo, que compete às partes interessadas (e não ao juiz, como seria próprio
do principio do inquisitório) a dinamização do processo. Exemplo disso são os
artigos 62º, 88º/4 e 159º/1 CPTA.
3.3 Princípio do Contraditório
Este principio impõe, em geral, que seja dada oportunidade
de intervenção efectiva a todos os participantes no processo, com a finalidade
de permitir ao juiz uma decisão imparcial e fundada, atendendo às razoes de
ambas as partes litigantes (de acordo com o velho brocardo: audiatur et altera
pars).
Contudo, o princípio significa também, a garantia de que não
sejam admitidas provas, nem proferidas quaisquer decisões desfavoráveis a um
sujeito (a um particular, autor ou contra-interessado), sem que este seja
ouvido sobre a matéria, em termos de lhe ser dada previamente ampla e efectiva
possibilidade de a discutir.
4. Princípios
relativos à prova
4.1 Princípio da livre apreciação de prova
Estabelece que o que torna provado um facto é a íntima convicção
do juiz, formada de acordo com a sua experiencia da vida e não a aplicação de “tábuas
de valores pré-fixadas na lei”.
A livre convicção do julgador na avaliação dos factos não representa,
porém, um arbítrio ou puro subjectivismo, já que, para além da força probatória
legal de determinadas provas (designadamente documentais), essa convicção ou
certeza prática tem como pressupostos valorativos os critérios da experiencia
comum e da logica do homem médio (bonnus pater famílias), havendo de ser
racional e susceptivel de motivação, em termos de se lhe reconhecer capacidade
de convencimento objectiva e controlável.
O princípio é ainda limitado pelo princípio do contraditório,
na medida em que não pode ser proferida decisão com base em facto probatórios sobre
os quais as partes, em especial a parte desfavorecida, não tenha tido
oportunidade de se pronunciar.
Margarida Isabel Ramos
(nº 15381)
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