quinta-feira, 24 de maio de 2012

Princípios Gerais do Processo Administrativo


Princípios Gerais do Processo Administrativo

São duas as ideias estruturantes do processo.
Por um lado, vale a ideia de que o processo serve fundamentalmente os interesses das partes litigantes, de modo que às entidades públicas e, especificamente, ao juiz cabe primacialmente uma função de árbitro, que só actua mediante pedido e se limita a verificar o cumprimento das regras do jogo para assegurar um processo justo ("fairness") - esta ideia exprime-se normalmente pelos princípios do dispositivo ou da autoresponsabilidade das partes.
Por outro lado, o processo judicial, tendo em conta a proibição de autodefesa, é visto como uma forma de realização de interesses públicos, que são exteriores e transcendem os interesses dos litigantes e que, por isso, implicam um envolvimento e impõem uma intervenção autónoma das autoridades judiciárias, em especial do juiz - a ideia exprime-se, em regra, pelos princípios do inquisitório, da oficiosidade e da oficialidade.

1. Principios relativos à promoção ou iniciativa processual

1.1 Princípio da necessidade do pedido

Este princípio decorre de uma característica estrutural-funcional do poder judicial, enquanto poder do Estado – os tribunais são órgãos “indiferentes”, imparciais e “inoficiosos” quando dirimem um litigio. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.

1.2 Princípio da promoção alternativa, particular ou publica

No processo administrativo, a iniciativa cabe normalmente aos particulares, interessados na proposição das acções destinadas a salvaguardar e a promover os seus direitos e interesses (principio do dispositivo). A esta iniciativa particular soma-se a iniciativa popular, seja individual, seja colectiva, para defesa de determinados valores, bens ou interesses comunitários, bem como, no que respeita aos processos mais típicos (as acções administrativas especiais), o poder geral de iniciativa do Ministério Público, na sua veste de magistratura encarregada da defesa da legalidade administrativa (principio da oficialidade).
A iniciativa dos processos pode pertencer ainda as entidade e aos órgãos administrativos, que podem surgir nos processos na qualidade de autores, quer na defesa dos direitos e interesses que lhes cumpra defender, quer como autoridades fiscalizadoras da legalidade.
Nos processos iniciados pelos particulares, vale o princípio da liberdade de iniciativa, visto que o direito de acção, constituindo embora um direito fundamental dos administrados, consagrado na Constituição e na Lei, é uma liberdade ou um direito disponível.
Podemos ainda falar de um princípio de liberdade e de um direito fundamental de acção, quando esteja em causa a acçao popular para defesa de valores, bens e interesses comunitários, pelo menos quando ela seja da iniciativa dos particulares, embora, na hipótese da acçao colectiva, tenha de se tratar de interesses inscritos nas finalidades das respectivas associações e fundações.
Quando se trate da iniciativa das pessoas colectivas publicas ou de órgãos administrativos para a defesa dos interesses que lhes cumpra por lei defender – aí o exercício do direito de acçao deve entender-se funcionalizado à realização desses interesses, no âmbito do correcto desempenho das suas atribuições e competências. A funcionalização torna-se ainda mais clara quando se trate do cumprimento de uma função de defesa da ilegalidade, confiada a órgãos administrativos - a iniciativa está aí necessariamente sujeita ao princípio da legalidade, embora se possa admitir, em maior ou menor grau, consoante as matérias, alguma discricionariedade.

2. Os principios relativos ao âmbito do processo (ou à determinação do thema decidendum et respondendum)

2.1 Princípio da resolução global da situação litigiosa

Uma das preocupações normativas do processo administrativo reformado é a de, na perspectiva de uma tutela judicial plena, permitir que sejam considerados nos mesmo processo todos os aspectos de uma situação litigiosa, mesmo que complexa, a fim de assegurar uma decisão que satisfaça inteiramente os interesses das partes. Por exemplo, a amplitude com que é admitida a cumulação de pedidos - não só originária mas também sucessiva, através da modificação objectiva da instância -, mesmo quando lhes correspondam diferentes formas de processo e devam ser dirigidos a tribunais diversos (desde que dentro do âmbito da jurisdição administrativa), ou a franqueza com que é ordenada a apensação de processos.
Também o conhecimento oficioso dos vícios no âmbito dos processos de impugnação de actos administrativos, para além de constituir uma excepçao à limitação do juiz pelo pedido, se justificará como tentativa de resolver de uma vez a questão sobre a legalidade do acto.

2.2 Princípio da vinculação do juiz ao pedido (principio da congruência ou da correspondência entre a decisão e o pedido)

A neutralidade judicial pretende assegurar a correspondência entre o pedido e a decisão que vai ser tomada, num duplo sentido: o tribunal não pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas parte, devendo, por outro lado, apreciar todas as questões pertinentes que as partes submetam à sua apreciação. Interessa aqui fundamentalmente a dimensão negativa, que proíbe o excesso judicial. Por exemplo, nos pedidos de impugnatórios (impugnação de actos ou pedido de declaração de ilegalidade de normas), o tribunal não pode conhecer da legalidade de acto ou de norma diferentes dos que foram impugnados (sendo aí, aliás, em rigor, a vinculação ao pedido e ao objecto).

2.3 Princípio da limitação do juiz pela causa de pedir (principio da substanciação)

Há uma limitação do juiz pela causa de pedir, de modo que, o tribunal só possa basear a sua decisão em factos invocados no processo como fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido. Este princípio não vale, porem, hoje nos processos administrativos de impugnação, em virtude da relevância do interesse publico na fiscalização da legalidade das normas e actos administrativos. Não vale, desde logo, no âmbito dos processos de declaração de ilegalidade de normas, em que sempre se reconheceu ao juiz a faculdade de declarar a ilegalidade com fundamento na violação de disposições ou principios diversos daqueles cuja violação foi inovocada. Não vale hoje igualmente, nos pedidos de impugnação de actos administrativos, pois que o tribunal pode conhecer oficiosamente os vícios (ilegalidades) do acto, isto é, o comportamento específico da Administração violador de normas jurídicas.

2.4 Princípio da estabilidade objectiva da instância

É uma manifestação tradicional do princípio do dispositivo, segundo o qual, o pedido e a causa de pedir – que, juntamente com o objecto delimitam a “instância” – são, em regra, determinados no inicio do processo, designadamente na petição inicial, mantendo-se a partir do despacho liminar de aceitação até à decisão final.
Este principio não vale inteiramente no processo administrativo, sofrendo limitações importantes, designadamente nos processos que seguem a forma de acção administrativa especial. Exemplos disso, são os preceitos que constam dos artigos 51º/4; 63º; 64º; 70º/1; 86º e 91º/5; 85º nºs 2,3 e 4, todos do CPTA.

3. Princípios relativos à prossecução processual

3.1 Princípios da tipicidade, da compatibilidade processual e da adequação formal da tramitação

O princípio da tipicidade dos tramites processuais constitui uma manifestação do principio da tipicidade das formas processuais, impondo que os tramites e a respectiva sequencia sejam fixados por lei, diferentemente do que é característico do procedimento administrativo, em regra mais flexível.
A lei de processo administrativo, ao pretender facilitar a cumulação de pedidos, determina a compatibilidade entre diversas formas de processo, que não obstam à cumulação – a solução legal é a da aplicação da forma de acçao administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias (art. 5º/1 CPTA).

3.2 Principio dispositivo

Este principio determina, no que respeita à condução do processo, que compete às partes interessadas (e não ao juiz, como seria próprio do principio do inquisitório) a dinamização do processo. Exemplo disso são os artigos 62º, 88º/4 e 159º/1 CPTA.

3.3 Princípio do Contraditório

Este principio impõe, em geral, que seja dada oportunidade de intervenção efectiva a todos os participantes no processo, com a finalidade de permitir ao juiz uma decisão imparcial e fundada, atendendo às razoes de ambas as partes litigantes (de acordo com o velho brocardo: audiatur et altera pars).
Contudo, o princípio significa também, a garantia de que não sejam admitidas provas, nem proferidas quaisquer decisões desfavoráveis a um sujeito (a um particular, autor ou contra-interessado), sem que este seja ouvido sobre a matéria, em termos de lhe ser dada previamente ampla e efectiva possibilidade de a discutir.

4. Princípios relativos à prova

4.1 Princípio da livre apreciação de prova

Estabelece que o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, formada de acordo com a sua experiencia da vida e não a aplicação de “tábuas de valores pré-fixadas na lei”.
A livre convicção do julgador na avaliação dos factos não representa, porém, um arbítrio ou puro subjectivismo, já que, para além da força probatória legal de determinadas provas (designadamente documentais), essa convicção ou certeza prática tem como pressupostos valorativos os critérios da experiencia comum e da logica do homem médio (bonnus pater famílias), havendo de ser racional e susceptivel de motivação, em termos de se lhe reconhecer capacidade de convencimento objectiva e controlável.
O princípio é ainda limitado pelo princípio do contraditório, na medida em que não pode ser proferida decisão com base em facto probatórios sobre os quais as partes, em especial a parte desfavorecida, não tenha tido oportunidade de se pronunciar.


Margarida Isabel Ramos
(nº 15381)



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