domingo, 18 de março de 2012

Condenação à prática de acto devido - Acórdão 0964/04 STA

Processo: 0964/04
Data do Acordão: 03-10-2006
Tribunal: 2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator: SÃO PEDRO
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. MODIFICAÇÃO OBJECTIVA DA INSTÂNCIA. OMISSÃO DO DEVER DE REGULAMENTAR.

Sumário:
I - O Ministério Público, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º, e quem alegue um prejuízo resultante da situação de omissão podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.
II - Todavia para que se declare a existência de situações de ilegalidade por omissão de normas regulamentares é necessário que o acto legislativo continue a necessitar de regulação através de actos normativos.
III - A impossibilidade absoluta de emitir normas regulamentares por força da alteração do quadro legal aplicável, implica a improcedência do pedido, nos termos do art. 45º do CPTA, devendo o Tribunal convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida.

Nº Convencional: JSTA00063497
Nº do Documento: SA1200610030964
Data de Entrada: 28-09-2004
Recorrente: A... E OUTROS
Recorrido 1: GOVERNO E OUTROS
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: SENT TAF LISBOA.
Decisão: INDEFERIMENTO.
Área Temática 1: DIR ADM CONT - IMPUGN NORMA.
Legislação Nacional: CPTA02 ART77 N1 ART87 N2 ART45 N1. DL 112/2001 DE 2001/04/06 ART1 ART5 ART12 ART14 ART19. DL 292/98 DE 1998/09/18 ART45. DL 46/2004 DE 2004/03/03.
Jurisprudência Nacional: AC STAPLENO PROC1257 DE 2006/06/07.
Referência a Doutrina: MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO TOMOI 10ED PAG95. FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VII COIMBRA 2002 PAG172. AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS COIMBRA

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A... e outros, devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o GOVERNO, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA e O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, pedindo:
a) a declaração de ilegalidade consubstanciada na omissão da aprovação do Decreto Regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, no que respeita ao pessoal provido na carreira de Inspector Técnico da Direcção Geral de Turismo e, em consequência, fixar ao primeiro réu um prazo não inferior a seis meses a fim de suprir essa omissão, sob pena de pagar sanção pecuniária compulsória em montante a definir, por cada dia de atraso no cumprimento do prazo.
b) que os segundo e terceiro autores sejam declarados credores do segundo réu por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das retribuições inerentes ás novas categorias e ao suplemento de função inspectiva desde as que se venceram em 1 de Julho de 2000 até às que se vençam na data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, sendo condenado no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento a liquidar em execução de sentença, ou caso não se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o segundo réu declarado devedor dos segundo a décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, sendo condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de retribuição e suplemento de função inspectiva, desde 1 de Julho de 2000 até à data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data até á de integral pagamento em execução de sentença.
c) que o terceiro réu seja declarado devedor dos sétimo a décimo terceiro autores, por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das pensão de aposentação recalculada de acordo com as novas retribuições e suplemento de função inspectiva desde as datas de aposentação até à data de efectivo pagamento, sendo condenado a pagar-lhes juros de mora à taxa legal desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença ou, caso se entenda não se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o terceiro réu declarado devedor dos sétimo ao décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, ser este condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de pensão de reforma desde a data de efectivo pagamento, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data e a de integral pagamento a liquidar em execução de sentença.

No essencial fundamentaram o pedido nos seguintes termos: Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo; Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última; Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto). Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal; Consequentemente, as respectivas pensões de aposentação não foram calculadas tomando em consideração o suplemento de função inspectiva; Sendo o Ministério das Finanças a entidade que tutela a Caixa Geral das Aposentações (art. 8º al. a) do Dec. Lei 158/96, de 3 de Setembro); Nos termos do disposto no art. 182º da CRP o Governo é o órgão superior da Administração Pública; Competindo-lhe, nos termos do art. 199º al. c) da CRP fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis; Por seu turno, dispõe o art. 112º, n.º 7 do mesmo diploma que “os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes”. No caso em apreço, a norma legal habilitante (art. 14º, n.º 1 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) dispõe expressamente que a aplicação do preceituado no diploma em causa faz-se por meio de decreto regulamentar; Diploma esse que, como acima se indicou, é constitucionalmente qualificado como regulamento; Conforme acima se indicou, os autores encontram-se prejudicados pelo facto de, ao arrepio do prazo expressamente consignado pelo n.º 2 do art. 14º do diploma supre indicado, o decreto regulamentar imprescindível à transição para a nova carreira e à execução do preceituado no art. 12º, ainda não ter sido publicado; Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CPTA que quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão pode pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a situação de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar execução a actos legislativos carentes de regulamentação. Dispondo o art. 46º, n.º 3 al. d) do mesmo diploma, revestir a forma de acção administrativa especial aquela em que se peça a declaração de ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo. Pelo que a presente acção é a própria para que o tribunal verifique a omissão e, em cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 77º do CPTA dê conhecimento do facto ao Governo, fixando-lhe prazo não inferior a seis meses para que supra a omissão; Sendo ainda a própria para que o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 2 do CPTA, fixe sanção pecuniária compulsória, por cada dia de demora do cumprimento da decisão; Assim, o primeiro réu é parte legítima para contradizer (cfr. Art. 10º do CPTA). Dispõe ainda o art. 47º, 1 do CPTA que, em cumulação com o pedido consignado, designadamente na al. d) do n.º 2 do art. 46º, podem ser efectuados outros pedidos que com aquele apresentem uma relação material de conexão, segundo o disposto no art. 4º e, designadamente, ser pedida a condenação da Administração na reparação dos danos resultantes da omissão ilegal; Conforme acima se referiu, o art. 19º do Dec. Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril determina que a transição para as novas carreiras por si criadas, bem como o correspondente suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2001; Assim sendo, quando entrar em vigor o decreto regulamentar omitido pelo Governo, deverá o segundo réu proceder à transição dos autores para lugares de quadro em categorias das novas carreiras; Remunerá-los de acordo com os escalões em que vierem a ser colocados; E calcular o suplemento de função inspectiva no montante de 22,5 % da remuneração base de cada autor, desde 1 de Julho de 2000 até à data em que o cálculo ocorra; No que respeita aos sétimo a décimo terceiro autores que, entretanto se aposentaram, deve o segundo réu efectuar os cálculos respectivos date à data da sua aposentação; Entregando a todos os autores as quantias correspondentes; Estas operações impostas pela lei constituem deveres de prestar a que a Administração está adstrita;
De facto, dispõe o art. 798º do C. Civil, aplicável por analogia, que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”; E o art. 562º do mesmo diploma legal estabelece que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; Assim, o cumprimento das obrigações de prestar, por parte da Administração não tutela suficientemente os direitos dos autores; Dado que, de facto, não lhes foram disponibilizadas as quantias que deveriam receber nas datas em que teriam que as receber; O decurso do tempo levou a que a moeda se depreciasse, pelo que, estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias com prazo certo, os autores têm direito a perceberem juros de mora, à taxa legal, desde as datas em que deveriam dispor das quantias em causa até àquela em que as mesmas lhes sejam entregues; Sem prejuízo do alegado, e caso se entenda não estarem reunidos no caso presente os pressupostos de responsabilidade civil, nem por isso a satisfação dos deveres de prestar inerentes ao cumprimento da imposição legal tutela convenientemente os direitos dos autores;
De facto, os segundo a sexto autores e o sétimo a décimo terceiro autores, estes à data do seu desligamento de serviço, têm exercido as funções inerentes à carreira em que se encontram posicionados; Suportando os ónus que fundamentaram a concessão do subsídio de função inspectiva ora em causa, em benefício do interesse público prosseguido pela Administração; Pelo que esta auferiu os benefícios inerentes a essa prestação, sem que, até ao momento os autores recebessem a retribuição por tal facto; Existiu, assim, uma deslocação patrimonial, consubstanciada no valor económico da prestação de trabalho, da esfera jurídica dos autores para a da Administração, deslocação essa que a satisfação dos deveres de prestar, ainda que com efeitos retroactivos não elimina completamente, já que, como acima se referiu os autores não puderam dispor das quantias que lhes deviam ter sido abonadas nas datas em que o deviam ser; Pelo que, a não restituição desse enriquecimento, por parte da Administração, constituiria um enriquecimento injusto por parte desta; O princípio da proibição de enriquecimentos injustos constitui um princípio geral do Direito Administrativo emergente dos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, do respeito pelos direitos e deveres dos administrados, da prossecução do interesse público, da boa administração, da repartição equitativa dos encargos públicos, da boa fé e da protecção da confiança (artigos 266º da CRP e 4º, 5º, 6º e 6º-A do CPA); Assim, nos termos do disposto no art. 473º do C. Civil está a Administração obrigada a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, a saber, a diferença entre a quantia que lhes abonará e aquela que lhes abonaria caso as retribuições respectivas lhes tivesse sido abonadas nas datas de vencimento; Quantia essa que deve ser calculada nos termos do disposto no art. 551º do C. Civil, isto é, através da aplicação dos índices dos preços e de modo a estabelecer entre a prestação entregue e a relação existente na data em que a obrigação se constituiu; No que respeita ao sétimo a décimo terceiro autores, que entretanto se aposentaram, impõe a lei (art. 12º, n.º 3 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) que a respectiva pensão de aposentação seja recalculada sendo-lhes pagas as diferenças entre os montantes que entretanto lhes foram sendo pagos e aqueles a que têm direito por força do recalculo; Pelo que o terceiro réu é parte legítima para contradizer este pedido.


O MINISTÉRIO DA ECONOMIA contestou a acção alegando o seguinte: Reconhece-se que, mercê de dificuldades várias não chegou a ser publicado o decreto regulamentar de aplicação à Direcção Geral do Turismo do regime do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril – enquadramento e estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública. Sucede porém que a nova lei orgânica da Direcção Geral do Turismo, aprovada pelo Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro, e a nova lei orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas aprovada pelo Dec. Lei 46/2004, DE 3 DE Março vieram alterar profundamente a situação existente: a primeira deixou de possuir serviços de inspecção, tendo sido transferidas para a segunda as competências em matéria de fiscalização e instrução processual (n.º 1 do art. 35º do citado Dec. Lei 46/2004). Não faria, pois, sentido que, no momento presente, os réus na acção fossem judicialmente compelidos a publicar um decreto regulamentar de aplicação do Dec. Lei n.º 112/2001 a um serviço do Estado – a Direcção Geral do Turismo – destituída de serviços de inspecção. O que fica dito não inviabiliza, como é óbvio a necessidade de o Ministério da Economia, vir a adoptar, por via administrativa, as soluções adequadas à salvaguarda das legítimas expectativas dos autores decorrentes do regime criado pelo aludido Dec. Lei n.º 112/2001. Não porém nos termos pretendidos pelos autores, face à perda de funções inspectivas por parte da Direcção-Geral do Turismo, decorrente da mencionada evolução legislativa entretanto ocorrida.”

A MINISTRA DE ESTADO E DAS FINANÇAS contestou a acção arguindo a excepção da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo, dado a mesma ter por objecto a omissão de um regulamento imputada ao Ex.mo Senhor Primeiro Ministro (art. 24º, 1 do ETAF). Por impugnação considera que foi alterado o contexto da publicação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril foi alterado com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral do Turismo e a Lei Orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas, respectivamente pelo Dec. Lei 8/2004 de 7 de Janeiro e Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março. Com estes diplomas as competências em matéria de fiscalização e instrução processual foram transferidas da DGT para a IGAE. Deste modo, não é possível que a DGT proceda à regulamentação de carreiras que não se enquadram na sua estrutura orgânica. Uma decisão neste sentido revelar-se-ia inútil, por impossibilidade prática da sua execução, violando ainda o princípio da legalidade. Suscita ainda o incidente do valor da causa.

O PRIMEIRO-MINISTRO também contestou a acção, começando por suscitar a questão da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo. Arguiu ainda a ilegitimidade passiva do Governo (1º réu), uma vez que, em seu entender, tanto quanto é possível extrair da petição inicial, aquilo que os autores pretendem é a adopção de uma qualquer iniciativa do membro do Governo com atribuições na sua área funcional (Ministério da Economia) destinada a suprir a sua situação estatutária em que se consideram colocados em consequência da omissão normativa censurada. Nestes termos parece ocorrer a ilegitimidade passiva do 1º Réu na presente acção administrativa especial já que o pedido dos autores não resulta satisfeito pela sua acção: por um lado, porque a iniciativa do procedimento normativo pressuposto carece de intervenção primária do Ministério da Economia; depois, ainda que assim se não entenda e sem conceder, porque o Governo enquanto órgão colegial não tem qualquer intervenção necessária na prática de regulamentos administrativos do Governo; Quanto ao mérito considera ainda que é inútil a emissão do decreto regulamentar em causa. Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual. Assim a Direcção Geral de Turismo não mantém, hoje, quaisquer poderes de fiscalização ou inspecção, pelo que não pode proceder à regulamentação de carreiras que não têm qualquer reflexo nos seus quadros de pessoal. Alegam ainda não ser possível a condenação no pagamento de sanções compulsórias, visto tal não decorrer nem do art. 77º,2 do CPTA, nem das disposições relativas ao processo de execução. Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa declarou-se a incompetência do tribunal e ordenou-se a remessa dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo. Por despacho do relator de 11 de Maio de 2005 foi decidido o incidente do valor da causa atribuindo-se ao processo o valor de €254,314,85 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e catorze euros e oitenta e cinco cêntimos). Deste despacho foi interposto reclamação para a conferência pelos autores, da qual viriam mais tarde a desistir. Em 25 de Janeiro de 2006, foi proferido despacho saneador, que não foi objecto de reclamação, onde se considerou o tribunal competente, que as partes tinham personalidade e capacidade judiciárias e eram legítimas. Mais se considerou que “a desnecessidade da emissão da norma regulamentar configura em nosso entender uma situação de mérito, ou seja, prende-se coma verificação da existência de uma situação de ilegalidade por omissão. Para já, não se vislumbra uma impossibilidade absoluta da satisfação do interesse do autor pelo que não é caso de modificação objectiva da instância – cfr. art. 45º do CPTA”. Nesse despacho foi ainda determinado que os autores liquidassem os pedidos genéricos formulados. Os autores liquidaram os respectivos pedidos. Por despacho de fls. 512, proferido em 26-4-2006, e por não haver matéria de facto controvertida, foram as partes notificadas para alegarem por escrito. Nas alegações de direito as partes mantiveram as posições antes assumidas e acima devidamente descriminadas. O autor António Lopes de Frias apresentou alegações autonomamente, mas defendeu, no essencial aposição que defendera (em conjunto com os demais) na petição inicial. A Presidência do Conselho de Ministros nas suas alegações voltou a pedir a absolvição da instância por ilegitimidade passiva e o Ministro das Finanças voltou também a defender que o seu chamamento ao processo decorre unicamente da má visão dos autores. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Para o julgamento da presente acção consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências:
a) o primeiro a sexto autores encontram-se todos providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
b) os sétimo a décimo terceiro autores encontram-se aposentados, estando à data das respectivas aposentações, providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
c) todos os autores encontravam-se providos em lugares da mesma carreira em 1 de Julho de 2000;
d) os serviços de Inspecção da Direcção Geral de Turismo foram organizados pelo Dec. Lei 74/71, de 17 de Março, sendo suas atribuições as seguintes (artigo 2º, n.º 1): - fiscalizar, para prevenção e repressão das respectivas infracções, o cumprimento das normas legais que regulam o exercício das actividades e profissões turísticas, designadamente a exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares, de ou sem interesse público, das agências de viagens, dos parques de campismo, públicos ou privativos, e de outros meios complementares de alojamento, a prática de campismo fora de parques e a actividade do pessoal de informação turística; - prestar aos restantes serviços da Direcção Geral de Turismo e ao Fundo de Turismo a colaboração que, em matéria de inspecção e fiscalização, lhes for solicitada; - desempenhar as demais funções de inspecção e fiscalização cometidas por disposição regulamentar especial;
e) Incumbia ainda aos Serviços de Fiscalização, nos termos do art. 3º do referido diploma, o seguinte: - inspeccionar todos os locais onde se exercessem quaisquer actividades ou profissões sujeitas à sua fiscalização; - verificar, para efeitos da atribuição do estatuto de utilidade pública turística, o estado de conservação das instalações e o nível dos serviços dos estabelecimentos declarados de utilidade turística, e bem assim a observância de quaisquer condicionamentos estabelecidos no respectivo despacho de concessão; - receber as reclamações apresentadas e averiguar do seu fundamento; - proceder à instrução de processos relativos a infracções cujo conhecimento fosse da competência da então Secretaria de Estado da Informação e Turismo, pela Direcção – Geral de Turismo;
f) Para realizar as atribuições acima enumeradas, o diploma em causa, nos seus artigos 16º e 17º contemplava um conjunto de direitos, designadamente do inspector-chefe, inspectores, sub-inspectores e agentes dos Serviços de Inspecção, dos quais se destacam os de entrada e permanência, pelo tempo necessário ao exercício das suas funções, em quaisquer locais sujeitos a fiscalização e a qualquer hora do dia ou da noite, o de exigirem documentação e quaisquer registos, livros de escrituração comercial e outros elementos;
g) Estabelecendo o art. 6º do mesmo diploma que o serviço de fiscalização era de carácter permanente e a competência dos respectivos funcionários, para efeitos de tomar conhecimento de qualquer infracção ou reclamação ou para a prática de actos urgentes, não limitada territorialmente, para além de considerar urgentes os actos que tivessem em vista obstar à consumação da infracção ou que visassem a recolha de prova que de outro modo se perdesse, se tornasse contingente ou particularmente difícil;
h) Mais previam os artigos 21º a 27º do mesmo diploma que os Serviços de Inspecção eram dirigidos por um Inspector – Chefe subordinado ao Director Geral de Turismo, coadjuvado por inspectores, sob cuja hierarquia estavam sub-inspectores e agentes, prevendo ainda o respectivo conteúdo funcional;
i) O Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro veio, no seu art. 4º, n.º 3, dispor que o pessoal do Serviço de Inspecção da Direcção Geral do Turismo, constava de quadro anexo, no qual se previram um lugar de inspector e três lugares de sub-inspectores;
j) Por seu turno, o Dec. Lei n.º 420/75, de 9 de Agosto, veio aprovar o quadro único permanente da Direcção Geral de Turismo, prevendo-se um lugar de Inspector, três lugares de sub-inspectores e trinta e um lugares de inspectores técnicos;
k) Em 1982, o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho, aprovou um novo quadro de pessoal, prevendo-se nove lugares de inspector técnico de 2ª classe, vinte e sete lugares de inspectores técnicos de 1ª classe e nove lugares de inspector técnico principal;
l) Sendo que, nos termos do art. 25º, n.º 4, deste regulamento, os inspectores técnicos de 2ª classe não habilitados com licenciatura transitaram para a carreira de inspector técnico;
m) O Dec. Lei 155/88, de 29 de Abril aprovou nova orgânica da Direcção Geral do Turismo, revogando designadamente, o Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro e o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho (art. 64º);
n) O art. 47º do mesmo diploma reestruturou a carreira de inspector técnico, dotando-a de seis categorias a saber, de técnico de 2ª classe (nove lugares), técnico de 1ª classe (doze lugares), técnico principal (nove lugares), técnico especialista (três lugares) técnico especialista de 1ª classe (um lugar) técnico especialista principal (um lugar);
o) Em 6 de Abril de 2001, foi publicado o Dec. Lei 112/2001, que estabeleceu o enquadramento e definiu a estrutura das carreiras de inspecção da administração pública;
p) Os artigos 15º e 16º deste diploma prevêem regras de transição para as novas carreiras, dispondo o artigo 12º que o pessoal abrangido pelo mesmo tem direito a um suplemento de função inspectiva, para compensação dos ónus específicos inerentes ao seu cargo (n.º 1); que tal suplemento é fixado no montante de 22,5% da respectiva remuneração base (n.º 2), sendo abonado em doze mensalidades, relevando para efeitos de aposentação, sendo considerado no cálculo da pensão pela forma prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 47º do Estatuto da Aposentação (n.º 3);
q) Nos termos do disposto no art. 14º do mesmo diploma, a respectiva aplicação faz-se mediante decreto regulamentar (n.º 1) a aprovar no prazo de 90 dias (n.º 2).
r) Sendo que, segundo o prescrito no art. 19º do mesmo diploma, a transição para as novas carreiras criadas pelo novo diploma, bem como o correspondente abono de suplemento de função inspectiva produzem efeitos reportados a 1 de Julho de 2000.
s) Porém, até à presente data, o decreto regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, não foi publicada.
t) Consequentemente, os autores ainda não transitaram para as novas categorias criadas pelo referido diploma, nem receberam o suplemento de função inspectiva;
u) Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo;
v) Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última;
x) Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto).
z) Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal;
aa) Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual

2.2. Matéria de direito
Nos presentes autos estão formuladas várias pretensões cumuladas. No entanto podemos sistematizá-las em três grupos:
(i) declaração de ilegalidade de omisso regulamento;
(ii) condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão;
(iii) condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora).


É verdade que nas alegações finais o Ex.mo Senhor Primeiro-ministro volta a por em causa a sua legitimidade passiva, mas sem razão de ser, uma vez que a questão foi já apreciada no despacho saneador – cfr. ainda o disposto no art. 87º, 2 do CPTA que impede que as excepções possam ser conhecidas em momento posterior àquele despacho. A impossibilidade da emissão do regulamento em causa é a nosso ver uma questão de mérito, e, portanto, será apreciada na análise dos requisitos da ilegalidade por omissão de norma regulamentar. Assim, apreciaremos as questões acima referidas, começando por abordar a questão de saber se existe uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares.
O art. 77º, n.º 1 do CPTA consagrou, pela primeira vez entre nós, a possibilidade da “declaração de ilegalidade por omissão” (é a epígrafe do artigo), nos seguintes termos: “O Ministério Público, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º, e quem alegue um prejuízo resultante da situação de omissão podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”. Quanto à legitimidade a questão está assente no saneador, portanto, fixamo-nos nos requisitos de que depende a verificação de existência de uma situação de ilegalidade por omissão. Um dos requisitos legalmente exigidos para que o tribunal declare a verificação de uma situação de ilegalidade por omissão de regulamento é a existência de um acto legislativo carente de regulamentação.
Vejamos, então, se este requisito se verifica, uma vez que tal verificação foi posta em causa nos autos.
O Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril estabeleceu o enquadramento (art. 1º), definiu a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública (art. 5º) dispôs sobre a transição dos funcionários que já se encontravam a desempenhar funções e, além do mais, criou um “suplemento de inspecção inspectiva” (art. 12º). No art. 14º, n.º 1 dizia-se o seguinte: “A aplicação do disposto no presente diploma aos serviços e organismos a que se refere o n.º 1 do art. 2º, faz-se em cada caso, mediante decreto regulamentar”. E no artigo 19º do mesmo diploma dizia-se: “A transição para as novas carreiras criadas pelo presente diploma, bem como o correspondente abono do suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2000”. Até hoje, relativamente aos funcionários da Direcção Geral de Turismo, não foi emitido o decreto regulamentar em causa. Desta forma, é a nosso ver indiscutível que, para efectivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos destinatários poderem auferir o suplemento de função inspectiva, existe um acto legislativo que não chegou a ser regulamentado.
Também é indiscutível que sem a publicação do referido decreto regulamentar o regime instituído pelo Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Contudo, alegam os réus, que deixou de fazer sentido a emissão do regulamento pois a alteração da ordem legal fez desaparecer a sua utilidade e necessidade. Essa alteração do quadro legal, em termos sintéticos, radicou na modificação das atribuições da Direcção Geral de Turismo, organismo onde os autores desempenhavam funções inspectivas, o qual deixou de ter atribuições nessa matéria. E, sendo assim, argumentam os réus, não há neste momento necessidade de regulamentar as Carreiras de Inspecção, num organismo que não possui atribuições dessa natureza. Esta argumentação tem na sua base efectivamente numa alteração legislativa muito significativa.
Com efeito as leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção-geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) atribuíram a esta última entidade, e apenas a esta, as funções inspectivas. Como se disse no preâmbulo do Dec. Lei 292/98, de 18/9 “em termos imediatos, são desde já transferidas para a Inspecção Geral das Actividades Económicas as tarefas de inspecção, com base no entendimento de que a este serviço do Ministério da Economia competem todas as funções de inspecção da actividade turística”. O art. 45º do mesmo diploma prévia, por isso, a transição dos “pessoal da carreira de inspector técnico” da Direcção Geral de Turismo para a Inspecção-geral das Actividades Económicas, que veio a ultimar-se em 1 de Abril de 2004. A tese dos réus tem, assim, toda a razão de ser. Vejamos porquê. Resulta do novo quadro legal que a situação actual não carece de qualquer regulamentação. A Direcção Geral de Turismo não tem atribuições em matéria de inspecção, pelo que por força da alteração do quadro legal, deixou de ser necessária a regulamentação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, quer para as situações actuais, quer para as situações futuras. Podemos pois concluir que as situações do presente e do futuro não carecem de qualquer regulamentação. Perante o bloco de legalidade actualmente em vigor não há necessidade de regulamentar as carreiras inspectivas (inexistentes) da Direcção Geral de Turismo. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações actuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de acto legislativo – ainda - carente de regulamentação). Não é assim no que se refere às situações passadas, dado que as mesmas foram vividas à sombra de um quadro legal, efectivamente carente de regulamentação. As situações passadas – como reconhece o Ministério da Economia na sua contestação, e como é de resto óbvio pois nunca foram regulamentadas – estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica. Contudo, para estas situações passadas, coloca-se uma outra questão, qual seja a de saber se é possível juridicamente emitir um regulamento cujo âmbito de aplicação sejam situações todas elas já concretizadas (e por isso sem abstracção) num universo de pessoas todas elas já identificadas (e por isso sem generalidade). Dito de outro modo, se é possível emitir um regulamento que não seja nem geral, nem abstracto. E a resposta parece ser intuitivamente negativa, sob pena de sermos forçados a admitir a existência de um regulamento sem “normas”, o que seria uma contradição nos termos O Acórdão do Pleno da 1ª Secção deste Supremo Tribunal de 7-6-2006, proferido no processo 01257/0, “ (…) Sem intuito de exaustão, diz o acórdão, na jurisprudência mais recente do STA, pode ver-se, e atendo-nos apenas a disposições contidas em diplomas legais de âmbito organizativo em serviços da Administração Pública, o acórdão de 11-05-89 (recurso nº 18998-Pº. Cfr. BMJ 387,627 e APDR 7-9-90,387), em cujo Sumário pode ler-se que “A Resolução n. º 67/83, do Governo Regional da Madeira, que fixou diversas medidas relativas aos funcionários que, ao abrigo do Decreto-Lei n. º 365/79, de 4 de Setembro, foram integrados no quadro do pessoal da Secretaria Regional do Equipamento Social, é um acto administrativo plural ou geral”. O acórdão de 07-05-96 (Rec. nº 26010-Pº), configura como acto administrativo e não como acto normativo a determinação contida na Portaria n.º 150/88, de 10.3, que [ao aprovar os novos quadros de pessoal de diversas instituições, entre elas os Hospitais Civis de Lisboa e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa] reclassifica como segundos oficiais da carreira de oficial administrativo todos aqueles que, no momento da sua entrada em vigor, fossem titulares do cargo de assistente de dados, pois que tal determinação teria destinatários certos e esgotava-se com uma única aplicação, considerando-a pois destituída de generalidade e abstracção (Sobre o tema, na jurisprudência do STA, podem ainda ver-se, entre muitos outros, os acs. do TP de 15/1/1997 (Rec. nº 20308) e de 24/6/1997 (Rec. nº 30808) - in APDR DE 28/MAI /99-, de 4/3/1997 (Rec. nº 38606), de 9/6/1998 (Rec. nº 34852, in APDR de 26/ABR/02) de 9/JAN/98 (Rec. 34852, in APDR de 26/ABR/02) e de 15/JUN/99 (rec. 44163).). Por sua vez, o acórdão de 97.04.15 (Rec. nº 33250), considerou que o comando contido no nº 3 do artº 4º do Dec. Lei nº 334/93, de 29 de Setembro, ao estipular a transição para técnicos superiores de 2ª classe dos professores do quadro do instituto de orientação profissional com o grau de licenciatura, não corporiza um acto materialmente administrativo. No recente acórdão de 07-07-2004, Rec.º nº 01011/02 (Reafirmando doutrina expendida em antecedente aresto de 22-04-2004 (Rec. nº 0933/02) sobre caso similar.), [estando em causa a regulação estabelecida pelo artigo 1º do D.L. 22/96, de 20 de Março, quanto aos trabalhadores das casas de cultura da juventude em funções desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro, e em que, a não ser que expressamente declarassem desejar manter o seu regime de trabalho, se determinou que ficariam abrangidos pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração Pública, e que numa análise perfunctória poderia considerar-se haver recaído sobre situação similar à vertente], considerou-se que o despacho conjunto (cf. artigo 4º daquele D.L. 22/96) dos Ministros das Finanças e Adjunto, que estabelecia as condições de ingresso e acesso às categorias da função pública por parte daqueles trabalhadores, por se esgotar com uma única aplicação, embora com pluralidade de destinatários concretos, não é um acto genérico, mas acto administrativo concreto, embora plural. Temos como a boa a doutrina expendida no acórdão de 03-11-2004-Rec. nº 0678/04, tirado a respeito de despachos respeitantes a fixação dos montantes das remunerações relativas às categorias das carreiras de regime geral da DGCI (…)”., fez uma resenha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, deixando clara a ideia de que os actos plurais e concretos não são acto a normativos. Este tipo de actos, destinados a um universo de pessoas, mas todas elas bem determinadas à data da publicação (acto plural e não geral por não admitir a hipótese de outras pessoas poderem integrar a previsão da norma) a situações todas elas já ocorridas no tempo MARCELO CAETANO, Manual de direito Administrativo, Tomo I, 10º Edição, Coimbra, 1973, pág. 95, referia-se, neste aspecto, à “execução permanente”, ou seja, ao facto da norma ter uma “vigência com certa duração, no decurso da qual é aplicável a todos os casos que surgirem e caiam nos domínios regulados”. e, portanto, também todas elas já perfeitamente determinadas, em que a sua vigência se esgotava numa única aplicação devem integrar-se na categoria dos actos administrativos. Mesmo para uma visão menos exigente na qualificação dos actos normativos, (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol II, Coimbra, 2002, pág. 172/173 e nota 285 para quem o essencial do conceito de norma está “na generalidade, isto é, na não identificação dos destinatários”. ) que se baste com a generalidade, o presente caso continuaria a caber na classificação dos actos administrativos. Na verdade, no presente caso, todas as pessoas a quem se aplicaria o regulamento destinado a regular as situações já passadas, estão bem determinadas ou são imediatamente determináveis, ou seja, situações individuais e concretas. Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”. O art. 45º, 1 do CPTA a impossibilidade absoluta de cumprimento do dever de emitir o regulamento também implica a improcedência do pedido.


Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.

A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida (art. 45º, 1 do CPTA).

Deve, no entanto, esclarecer-se que a indemnização que o artigo refere é a que resulta da “expropriação do direito à execução”, e não aquela que resulta da actuação ilegítima da Administração (cfr. art. 45º, n.º 5 do CPTA)( Cfr. AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, Coimbra, 2005, pág. 221. ).
Trata-se, assim, da indemnização para ressarcimento dos danos emergentes do facto de já não poder ser emitido o regulamento. Os autores já formularam autonomamente o pedido de indemnização imputado à omissão ilegal do regulamento, pedido cumulado na presente acção, que engloba o pedido de condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão ilegítima; e o pedido de condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora).
O facto do art. 45º, n.º 5 referir a possibilidade de um pedido autónomo, não afasta que o mesmo seja cumulável. Daí que, no presente caso, tendo sido deduzido um pedido autónomo visando o ressarcimento dos danos causados pela actuação ilegítima, nada obsta a que a fixação da indemnização compreenda os dois tipos de danos:
(i) danos emergentes da inexecução e
(ii) danos emergentes da actuação ilícita.
Por razões de economia processual é adequado que todos pedidos de indemnização sejam julgados e fixados conjuntamente, uma vez que nada obsta a que as partes chegam a um acordo sobre o montante global da indemnização devida.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento;
b) Fixar, nos termos do art. 45º, 1 do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.
Sobre custas a final se tomará posição.
Lisboa, 3 de Outubro de 2006.
António São Pedro (relator) – António Samagaio – João Belchior.



Susana Silva - Aluna 18428

COMPETÊNCIA MATERIAL. TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACTO MÉDICO EM ESTABELECIMENTO HOSPITALAR
AGRAVO  Nº 1422/04.3TBCVL-A.C1
Relator: HÉLDER ROQUE
Data do Acordão: 26-09-2006
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ - 3º JUÍZO
Legislação Nacional: ARTIGOS 44º Nº1 DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), DL Nº 288/02, DE 10 DE DEZ., 12º DA LEI Nº 56/79, DE 15 DE SET., 8º Nº3 DO ESTATUTO DO MÉDICO, 22º E 271º Nº1 DA CRP, 2º Nº1 E 3º Nº1 DO DL Nº 48051, DE 21 DE NOV. DE 1967 E 37º Nº2 AL.F) DO CÓD. DE PROC. NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (LEI Nº 15/2002, DE 22 DE FEV.).
Sumário:
  1. São actos de gestão pública os prestados no exercício de uma função pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva. Insere-se, assim, no âmbito dos actos de gestão pública, o acto ilícito, violador dos direitos de terceiro, de funcionário – nomeado, contratado ou assalariado-, no exercício das suas funções públicas e por causa desse exercício, para os fins de direito público da pessoa colectiva, cabendo, no entanto, no âmbito da gestão privada, o mesmo acto, se praticado fora do exercício da função pública, ou, dentro dela, mas para um fim estranho à mesma.
  2. O acto médico, praticado pelo réu, médico do Centro Hospitalar, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, à data da prática dos factos, é um acto de gestão pública.
  3. São da competência dos tribunais administrativos, as acções contra a Administração, relativamente a danos decorrentes de actos de gestão pública. Compete aos Tribunais Administrativos de Círculo, por via de regra, conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa.
  4. Os Tribunais Administrativos de Círculo são os tribunais competentes, em razão da matéria, para conhecer da responsabilidade civil extracontratual por actos médicos praticados em estabelecimentos hospitalares oficiais.
  5. As acções propostas pelos particulares lesados, por actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual, praticados por agentes da administração central- no exercício das suas funções e por causa delas -, com vista a obter a reparação dos danos causados, são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma ordinária, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... e B..., residentes na Rua das Cerzideiras, Quinta da Alâmpada, BI.2, r/c, esq., na Covilhã, interpuseram recurso de agravo da decisão que, na acção com processo ordinário que moveram contra o Dr. C..., com domicílio profissional no Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã, em que pedem a sua condenação no pagamento da quantia global de 289278,74€, por alegada imprudência, precipitação e inconsideração do réu, no acto de parto do menor D..., filho dos autores, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, declarando que os Tribunais Administrativos são os competentes para dirimir o litígio e, em consequência, absolveu o réu da instância, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da mesma, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O Centro Hospitalar Cova da Beira, à data da ocorrência dos factos enunciados na petição inicial, era uma empresa pública, dado se tratar de uma entidade pública de capital totalmente público de tipo institucional e de substrato empresarial, cujo diploma que regula o sector empresarial do Estado — DL nº 558/99 de 17/12 - dispõe que as empresas públicas (cfr. artigo 3o), regem-se pelo direito privado, competindo nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 46 do DL n°260/76 de 8/4, aos Tribunais Judiciais todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos.
2ª - O agravado não goza, na situação em apreço nos autos, de quaisquer prerrogativas de autoridade, nem pela sua natureza, nem porque as mesmas lhe tenham sido expressamente cometidas, porque a sua actuação se não conforme com a actuação das normas de direito público, tratando-se antes de uma actuação no âmbito de uma relação jurídica privada constituída naquele momento entre dois sujeitos de direito privado.
3ª – O acto praticado pelo agravado não pode ser caracterizado como acto administrativo, mas sim como acto integrado na esfera do comercio jurídico privado, cujo contencioso se encontra fora do âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos, de acordo com o preceituado nos artigos 3º e 4o, al. f) do ETAF.
4ª - Definindo a CRP a competência dos Tribunais Administrativos como relativa à apreciação das relações jurídico-administrativas e excluindo o artigo 4° nº 1 al. f) da jurisdição administrativa a apreciação de actos negociais como questões de direito privado «ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público», não poderá resultar a aplicação na questão sub judice do direito administrativo (Ac. 3/4/01, Proc. N.° 47/374; in AP D.R: de 8/8/03, 2700).
5ª - No caso dos autos, atendendo à factualidade invocada na petição inicial, são os tribunais comuns os materialmente competentes para a acção instaurada por um particular contra o agravado e na situação sub judice é competente o Tribunal Judicial da Covilhã.
Nas suas contra-alegações, o réu defende que deve ser confirmada a decisão recorrida, julgando-se o agravo improcedente.
O Exº Juiz sustentou a decisão questionada, por entender que não foi causado qualquer agravo ao recorrente.
Os factos com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo constam, essencialmente, do antecedente relatório.


Questão: saber qual é o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da responsabilidade civil por actos médicos praticados em estabelecimentos hospitalares oficiais:

DA COMPETÊNCIA MATERIAL POR ACTOS MÉDICOS PRATICADOS EM ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES OFICIAIS

O Estado, que se inclui entre as pessoas colectivas de direito público, vive conformado e delimitado pela lei, que lhe define as atribuições, os poderes, os órgãos e a autoridade derivada da soberania, que é a autoridade pública, exercendo os poderes e deveres nas relações que estabelece com as demais entidades jurídicas existentes na comunidade política, entre as quais os cidadãos de que se distingue[
Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, T1, 1973, 185 e 186; e Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, T1, 1983, 121 e 122.
].
Por outro lado, não se confundem o Estado e os funcionários que actuam ao seu serviço, mas que mantêm uma individualidade humana e jurídica e um património distintos. Se um funcionário age como sujeito privado, é o seu património pessoal que responde pelas dívidas contraídas ou pelos danos causados a outrem, enquanto que se actua, no exercício das suas funções e por causa delas, já é, em princípio, o património do Estado o responsável pelas dívidas assumidas e pelos danos causados[
Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 1987, 200.
].
E, também, não se confundem o Estado e os cidadãos, porquanto os particulares ou administrados são, igualmente, sujeitos de relações de direito administrativo, quer os indivíduos, pessoas físicas, quer as pessoas colectivas de direito privado.
Com efeito, os particulares não têm, necessariamente, que assumir a posição de sujeitos passivos das relações de direito administrativo, podendo apresentar-se na veste de sujeitos activos, como titulares de direitos subjectivos perante o Estado[
Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, 1959, 252 e 331.
].
E a imputação de danos ao Estado, em termos de responsabilidade subsidiária ou solidária, juntamente com o órgão ou agente faltoso, é possível quando a actividade do agente público está, intrinsecamente, ligada à função ou serviço em nome da qual age o funcionário, e não apenas, temporal ou espacialmente, tendo procedido, no exercício das suas funções ou atribuições e por causa delas, e não, somente, por ocasião das mesmas funções[
Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, 1974, 64 e 65.
].
Por isso, em qualquer acção de responsabilidade civil do Estado, órgão ou agente a qualificação do acto é uma questão prévia essencial.
Ora, são da competência dos tribunais comuns os pedidos de indemnização por danos causados a terceiros, pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no exercício de actividades de gestão privada, atento estipulado pelo artigo 501º, do Código Civil.
Por sua vez, são da competência dos tribunais administrativos as acções de indemnização contra a Administração, relativamente aos danos decorrentes de actos de gestão pública, cabendo-lhes conhecer, em primeira instância, nos termos do disposto pelo artigo 44º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), por via de regra, “de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa”.
Assim sendo, tudo se resolve em saber se o acto médico praticado pelo réu, médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, sociedade anónima de capitais, exclusivamente, públicos, à data da prática dos factos, por força do DL nº 288/02, de 10 de Dezembro, com a nova redacção introduzida pelo DL nº 207/2003, de 12 de Setembro, é um acto de gestão pública ou antes um acto de gestão privada.
Não alegando os autores o exercício de medicina privada, por parte do réu, nas instalações do Centro Hospitalar da Cova da Beira, resulta das disposições combinadas dos artigos 12º, da Lei nº 56/79, de 15 de Setembro (Lei do Serviço Nacional de Saúde), e 8º, nº 3, do Estatuto do Médico, que “…os utentes, em casos de responsabilidade civil, sempre que sejam lesados nos seus direitos pelos órgãos ou pessoal do SNS, têm direito a ser indemnizados pelos danos causados, nos termos da lei reguladora da responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública”.
Dispõe, a este propósito, o artigo 3º, nº 1, do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro [diploma que estatui sobre o Sector Empresarial do Estado e das Empresas Públicas do Estado], que se consideram “…empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante, em virtude da….detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização”.
Nestes termos, os actos de gestão pública são os prestados no exercício de uma função pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva, sendo o acto praticado, no âmbito deste domínio, quando um funcionário, no exercício das suas funções públicas e por causa desse exercício, para os fins de direito público desta, pratica um acto ilícito violador dos direitos de terceiro, enquanto que se o mesmo for praticado, fora do exercício da função pública, ou, dentro dela, mas para um fim estranho à mesma, já se está no âmbito dos actos de gestão privada.
E não importa que se trate de um funcionário nomeado ou de um contratado ou assalariado, porquanto a razão de ser da norma é sempre a mesma, sendo, portanto, indiferente a questão de saber qual a situação do réu, dentro do quadro médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, adquirido que está que aí exercia funções profissionais oficiais.
Como assim, a actividade médica levada a cabo pelos serviços hospitalares de natureza pública, mesmo sob a forma de gestão empresarial societária, deve ser considerada como actividade de gestão pública, actuando os seus servidores, no exercício das respectivas funções, no desenvolvimento de uma actividade pública, para os fins de direito público da pessoa colectiva e, portanto, no domínio dos actos de gestão pública.
Neste enquadramento, questiona-se o fundamento jurídico da responsabilidade civil da Administração, nos Hospitais Públicos, resultante de danos causados aos respectivos utentes ou terceiros.
Efectivamente, as pessoas admitidas nos hospitais são utentes do serviço público hospitalar, estabelecendo-se uma relação de serviço público entre umas e outros, devendo o serviço hospitalar agir com o zelo e diligência adequados á situação particular dos utentes a que se destina, como obrigação de carácter geral, resultante da lei, porquanto se falta, culposamente, a esse dever, causando danos, por omissão dos seus agentes, o hospital público tem o dever de indemnizar.
Assim sendo, tendo a vinculação do hospital público, perante utentes ou terceiros, a natureza de uma relação de serviço público, a responsabilidade em que incorre assume, necessariamente, carácter extracontratual.
Trata-se, com efeito, de uma responsabilidade de natureza extra-contratual, em que a obrigação de indemnizar nasce da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto, sendo esta, também, a concepção que melhor se adapta à essência dos serviços públicos ou de interesse público, porquanto qualquer pessoa, indistintamente, pode utilizá-los, nas condições gerais e impessoais dos respectivos estatutos e regulamentos, sem possibilidade da sua recusa ou da negociação de cláusulas particulares[
Vaz Serra, Responsabilidade Civil do Estado e dos seus Órgãos ou Agentes, BMJ, nº 85, 476 a 497; Joaquim Silva Carneiro, Responsabilidade da Administração Hospitalar, RDES, Ano XIX, 123 e ss.; STJ, de 7-5-74, BMJ nº 237, 196; RT, Ano 93º, 282.
].
Revertendo à situação factual em apreço, importa reter que os autores imputam ao réu, na qualidade de médico, a título de culpa, a pratica de actos lesivos da pessoa do menor, seu filho, de carácter irreversível e incapacitante, ocorridos no momento do parto, e violadores dos seus deveres funcionais.
A hipótese em análise situa-se, como já se disse, no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito culposo.
Na ordem jurídica portuguesa, a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública tem assento constitucional, porquanto a responsabilidade das entidades públicas está, expressamente, consagrada no artigo 22º, da Lei Fundamental, ao estatuir que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Por sua vez, o artigo 271, nº 1, também da Constituição da República, determina que “os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos...”.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado, no domínio da função administrativa, encontra-se ainda hoje regulada, nuclearmente, pelo DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, que define os termos da responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas públicas, por factos ilícitos culposos, por factos casuais e por factos lícitos.
No que respeita a factos ilícitos, o Estado responde, perante terceiros, pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos, culposamente, praticados, pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos, no exercício das suas funções e por causa delas, em conformidade com o disposto pelo artigo 2º, nº 1, do aludido DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, sendo certo que o respectivo artigo 3º, nº 1, se refere à responsabilidade dos próprios titulares do órgão e dos agentes administrativos quando excederem os limites das suas funções, ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido, dolosamente, sendo, neste último caso, a pessoa colectiva, solidariamente, responsável com o titular do órgão ou agente.
E, havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública, o Estado e os seus agentes respondem por eles, segundo as normas constantes do DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, e perante os Tribunais Administrativos.
Efectivamente, nos termos do disposto pelo artigo 44º, nº 1, do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos de Círculo, por via de regra, conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa.
A isto acresce que as acções propostas pelos particulares, para efectivar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por danos resultantes de actos de gestão pública, seguem a forma da acção administrativa comum, em conformidade com o estipulado pelo artigo 37º, nº 2, f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, resultante da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, que entrou em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2004.
Assim sendo, os autores, enquanto lesados por alegados actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual, praticados por um médico do Centro Hospitalar da Cova da Beira, podem obter a reparação dos danos causados, por via de acção, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
A isto acresce que a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e de competência residual, segundo os quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal[
Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, 31 e 32.
].
Por isso, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertencem as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto do artigo 66º, do CPC, quando estabelece que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

*

Assim, em relação ao réu que, alegadamente, terá praticado actos ilícitos, a coberto de uma relação jurídica de natureza administrativa, considerando que procede a invocada excepção dilatória, em que se traduz a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial, por força das disposições conjugadas dos artigos 101º, 102º, nº 1, 103º e 105º, nº 1, do CPC, caberia ao Tribunal Administrativo de Círculo a apreciação da sua responsabilidade.
Por isso, o réu deve ser absolvido da instância, por se verificar, além do mais, a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria.

*

CONCLUSÕES:

I - As acções propostas pelos particulares lesados, por actos ilícitos administrativos geradores de responsabilidade civil extracontratual praticados por agentes da administração central, com vista a obter a reparação dos danos causados, são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma ordinária, da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo.
II – Só tem cabimento o regime legal que afasta o dever de responsabilidade do Estado ou ente público, deixando subsistir a responsabilidade pessoal e directa do agente, quando o excesso do limite das funções implica a pratica, por este, de um acto sem conexão interna ou causal com a função.

*

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, confirmam a decisão recorrida, determinando a verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, em razão da matéria, por a mesma pertencer ao Tribunal Administrativo de Círculo respectivo.


Diana Pinto

sexta-feira, 16 de março de 2012

Magistrada sem direito a dispensa de sábado religioso

Uma procuradora-adjunta que exerce funções no distrito da Guarda, membro da Igreja Adventista, requereu dispensa de serviço aos sábados, o dia de descanso estabelecido pela religião que professa. Nem o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), nem o Supremo Tribunal Administrativo (STA) a dispensaram.
A magistrada reivindica o direito à liberdade religiosa. Um acórdão daquele tribunal superior estipula que, "no caso de conflituosidade de dois interesses fundamentais, um de natureza pública e outro privado, por princípio, deve prevalecer o interesse público".

Em Abril do ano passado, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou (com uma abstenção) indeferir o pedido da procuradora para ser dispensada dos turnos de serviço urgente que assegura, aos sábados, na comarca onde trabalha. Pedido esse fundado em "razões de culto religioso", já que a referida magistrada é membro de uma organização religiosa que a obriga a "guardar o sábado como dia de descanso, adoração e ministério", refere o acórdão.

Para que essa obrigação seja cumprida a referida Igreja enviou ao Governo, em 2010, uma lista com indicação dos períodos horários dos dias de descanso relativos a 2011. A magistrada requereu então ao seu superior hierárquico a dispensa do seu trabalho nos turnos marcados para os sábados em 2011. Pedia também autorização para compensar esses dias com outros dias de turno que não coincidissem com o sábado. Essa pretensão foi indeferida por decisão do Conselho Superior do Ministério Público com o fundamento de que as funções que a magistrada exerce não correspondiam a um horário de trabalho flexível previsto no artigo 14.º da Lei de Liberdade Religiosa (LLR). De acordo com o que este estabelece, "os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam".

Direitos humanos em causa

Em resposta ao recurso interposto pela procuradora, o STA considerou, independentemente da análise dos aspectos processuais que, "o interesse público assume uma muito maior relevância do que o interesse da requerente", não se vendo que "o indeferimento da sua pretensão possa contribuir para a constituição de uma situação de facto irreversível ou "determinar a produção de prejuízos irreparáveis"

Em declarações ao PÚBLICO a propósito deste caso, Jonatas Machado, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, salientou que "também é do interesse público garantir o direito da liberdade religiosa, um direito constitucionalmente protegido" e observou que "os direitos humanos prevalecem diante do interesse público".

Jonatas Machado frisou ainda que "a liberdade é a regra, a restrição é que é a excepção e tem de ser devidamente fundamentada".

"Com jurisprudência como esta, não admira que Portugal seja tantas vezes condenado no Tribunal dos Direitos do Homem".

Maria Ana G. C. Lima
13909

quarta-feira, 14 de março de 2012

Competência dos Tribunais Administrativos em Matéria de Responsabilidade Civil


O presente acordão do Tribunal da Relação de Lisboa é bastante recente em face do assunto em causa. Até à data, as causas que envolviam matéria de responsabilidade civil atinente aos deveres de manutenção de auto-estradas  por parte das concessionárias (decorrente do DL242/2006 de 28 de Dezembro) foram julgadas pelos tribunais comuns, sem grande atrito em matéria de competência.

Este caso foi a primeira sentença de incompetência relativo ao assunto tratado, recebido na empresa seguradora que interpunha uma acção de direito de regresso. Na medida em que o assunto é de todo pertinente face à matéria que estamos a leccionar em aulas práticas, partilhamos convosco a posição do Tribunal da Relação que fundamenta a sua incompetência para julgar esta causa.

Em suma, decide a Relação:

  • Nos termos do art. 1º/1 ETAF "os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça … nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais" (Lei 13/2002, de 19 Fevereiro).


  • Contrariamente ao regime anterior (ETAF aprovado pelo Dec-Lei 129/84, de 27 Abril), em que para determinação da competência da jurisdição administrativa era exigível que as questões a decidir respeitassem a actos de gestão pública, ou seja, a actos que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou outro ente público e que muitas vezes assentam sobre o jus auctoritatis da entidade que os pratica", actualmente não releva para determinação dessa competência jurisdicional a destrinça entre actos de gestão pública e privada, bastando estar-se perante uma relação jurídico administrativa.

  • Com este entendimento, procurou-se evitar que os tribunais administrativos pudessem constituir um “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando-se a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal. A competência material passou, então a ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações.

  • Veio, posteriormente, a determinar-se a aplicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
    • Isto significa que sempre que entidades de direito privado desenvolvam uma actividade administrativa, no que se refere às acções de responsabilidade civil, há um nexo funcional com a Administração Pública.


    Maria João Carapeto 17899
    Ana Paula Pereira 17909

Juiz de Viana do Castelo não quer que novo acordo ortográfico seja aplicado no tribunal

Um juiz do tribunal de Viana do Castelo emitiu uma ordem de serviço proibindo a utilização da grafia do novo acordo ortográfico, alegando que os tribunais não estão abrangidos pela resolução do Governo. A decisão do juiz Rui Estrela Oliveira consta de uma ordem de serviço datada de 23 de Janeiro deste ano e aplica-se a todos os processos e tramitações do segundo Juízo Civil daquele tribunal, sendo justificada pelo próprio, em entrevista à Lusa, como uma “questão eminentemente jurídica”.
O juiz recorda a resolução do Conselho de Ministros de Dezembro de 2010, que “determina que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, para concluir: “Esta antecipação de efeitos não engloba os tribunais, porque não fazem parte do Governo. Não são superintendidos, não são dirigidos nem são tutelados pelo Governo”.
Este é o primeiro motivo para não aplicar o acordo.
Paralelamente, a “preocupação” deste juiz, plasmada na ordem de serviço, vai ainda mais longe e chega à própria interpretação jurídica de textos, conforme a aplicação da nova ou da antiga grafia, dando forma ao segundo motivo.
“Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz”, afirma ainda o juiz.
Aponta como exemplo uma construção da sua autoria, envolvendo “corretores” da bolsa e a função de “corrector”, esta pela antiga grafia.
“De início, o corretor da sala 3 assumia a função de corretor do corretor da sala 2, para depois passar a ser o corretor de todos, até do corretor da última sala que, confrontado com a situação, esboçou um sorriso”, apontou o juiz, para logo depois concluir: “Uma vez que corrector perdeu o ‘c’, o sentido é indecifrável”.
O que o leva ao encontro do terceiro motivo para não aplicar o acordo. “Alguém que está a escrever, se se apercebe disto, não vai escrever. E aí há uma quebra da sua liberdade”, garante, assumindo ainda a possibilidade de, com a nova grafia, poder haver “uma situação em que o Tribunal não é entendido na sua ordem”, sobretudo por quem apenas aprendeu uma grafia em toda a vida.
Por outro lado, este juiz entende que a aplicação do novo acordo ainda “não entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa”, classificando a antecipação da sua aplicação como “um bocadinho forçada, tendo em conta as características do Direito”.
“À partida, o prazo de adaptação deve ser o mais longo possível para os tribunais”, afirma o juiz Rui Estrela Oliveira, reconhecendo um dos efeitos da sua decisão: “Agradecimentos dos advogados. Fundamentalmente isso”.
Maria Ana G. C. Lima
13909

Lusoponte pede indemnização de 100 milhões ao Estado

A Lusoponte entregou um pedido de indemnização por parte do Estado no valor de 100 milhões de euros, revelou hoje o Secretário de Estado dos Obras Publicas, Transportes e Comunicações, Sérgio Silva Monteiro.De acordo com o governante, o pedido de indemnização da empresa da Mota Engil deve-se ao facto de o anterior governo ter assinado em 2008 um acordo em que se compromete a compensar a Lusoponte pelo «risco de variação dos impostos».
Segundo Sérgio Silva Monteiro, este pedido de indemnização compreende apenas o período entre 2008 e 2012.

Filipa Carvalho 13839

terça-feira, 13 de março de 2012

Congelamento de licenças para eólicas está "a matar o sector"

A decisão de congelar a atribuição de novos projetos de energia eólica vai sair caro ao país e "está a matar o único setor da economia portuguesa que funcionava bem", afirma António Sá da Costa.
Lusa

A APREN já antes tinha referido a necessidade da aposta do Governo neste setor, até porque "Portugal precisa de investimento estrangeiro"
A APREN já antes tinha referido a necessidade da aposta do Governo neste setor, até porque "Portugal precisa de investimento estrangeiro"
JAR
O presidente da Associação de Energias Renováveis (APREN), António Sá da Costa, defende que "há espaço para mais projetos de energia eólica em Portugal", considerando que congelar a atribuição de novas licenças vai sair caro ao país.
"Devíamos, neste período, abrandar [o investimento em eólicas], subir com um ritmo mais lento, mas o que se está a fazer é parar", criticou Sá da Costa, considerando que assim se "está a matar o único setor da economia portuguesa que funcionava bem".
Em entrevista à Lusa, o presidente da APREN admitiu que, nos últimos dois anos, o consumo de eletricidade baixou em Portugal, mas, alertou, que as estatísticas revelam que, depois de uma quebra, a retoma acontece duas vezes mais depressa.

Juízes notificam ministro da Defesa para entregar gastos do seu gabinete

A Associação Sindical dos Juízes, liderada por António Martins, ganhou a guerra das despesas A Associação Sindical dos Juízes, liderada por António Martins, ganhou a guerra das despesas (Pedro Cunha)
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) informou ontem, em comunicado, que vai pedir a notificação pessoal do ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar- Branco, para que este cumpra a intimação judicial que obrigou o seu ministério a apresentar os documentos que regulamentam o uso de cartões de crédito, telefones de uso pessoal e o pagamento das despesas de representação.
Segundo o presidente da ASJP, António Martins, o Ministério da Defesa foi notificado através do departamento jurídico, não tendo respondido à ordem do tribunal. Os únicos dois ministérios que o fizeram integralmente foram o da Justiça e o da Agricultura. As Finanças informaram que nunca estiveram na posse de documentos relativos a despesas de representação, telefones e cartões de crédito, enquanto vários outros ministérios forneceram, segundo a ASJP, "informações e documentos incompletos".

"[Vamos] comunicar ao Tribunal Administrativo o incumprimento da decisão por parte do Ministério da Defesa Nacional e requerer a notificação pessoal do senhor ministro para dar cumprimento à intimação judicial com as cominações previstas na lei", escreve a associação em comunicado. Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa da Defesa, Nuno Maia, garantiu que "toda a informação será enviada conforme ordenou o tribunal", admitindo que pode ter havido um atraso na remessa.

Os juízes adiantam ainda que vão entregar a documentação recebida ao Ministério Público e participar os incumprimentos para que se "investigue a licitude e regularidade dos procedimentos adoptados no âmbito do XVIII Governo Constitucional", o segundo liderado por José Sócrates. A direcção da associação sindical pede ainda que sejam apuradas "eventuais responsabilidades criminais e civis a que haja lugar".

Maria Ana G. C. Lima
13909

A troca de terrenos do Parque Mayer pelos da Feira popular em Lisboa volta a tribunal a 25 de Setembro

A troca de terrenos do Parque Mayer pelos da Feira popular em Lisboa volta a tribunal a 25 de Setembro.

O ex-presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues, está entre os arguidos deste caso que já foi a tribunal em 2010, mas os juízes decidiram logo na primeira sessão que o julgamento era "inútil", por não considerarem os factos da acusação como "matéria criminal", mas somente do foro administrativo.

O Ministério Público recorreu da decisão e o Tribunal da Relação deu-lhe razão, mandando repetir o julgamento, o que vai acontecer a 25 de Setembro.

Maria Ana G. C. Lima
13909

The greatest achievement of the English Courts

The Work of the Administrative Court


Filipa Carvalho 13839

Pavilhão Atlântico à venda!



O Conselho de Ministros do Governo Português aprovou o processo e os termos para a venda conjunta e simultânea do Pavilhão Atlântico e da totalidade do capital da empresa que detém a sua concessão, a Atlântico – Pavilhão Multiusos, SA (“Atlântico”), lê-se num nota de imprensa.
A mesma nota refere que deve ser mantida a vocação do Pavilhão Atlântico cujo tipo de utilização não deverá ser desvirtuado.
Aquele espaço deve continuar a acolher uma programação variada, aquela a que tem habituado o público português, continuando a ser um polo dinamizador da cultura e também da economia com a realização de eventos empresariais e institucionais de grande dimensão.
O modelo adoptado para a concretização da transacção consiste na venda directa, por negociação particular.
A apresentação de propostas deverá ocorrer até ao dia 27 de Abril de 2012.

Maria Ana G. C. Lima
13909

Governo apresenta plano estratégico de promoção do emprego jovem e de apoio às PME

emprego
O Governo propôs à Comissão Europeia um conjunto de medidas para combater o desemprego jovem e que irão beneficiar entre 77 mil e 165 mil jovens.
No documento elaborado pelo executivo, enviado na quinta-feira ao presidente da Comissão Europeia e aos parceiros sociais, o Governo propõe “a combinação de diferentes recursos financeiros com o intuito de proporcionar um volume global de financiamento que se estima poder atingir os mil milhões de euros” para a execução do plano intitulado “Impulso Jovem”. Este “esforço financeiro” assenta na realocação de fundos já existentes, pelo reforço destas verbas e também pelo investimento privado.
O plano do Governo prevê vários cenários, sendo que o primeiro passa pela reprogramação de fundos comunitários e que, a ser aceite, permitiria alocar 351,7 milhões de euros ao “Impulso Jovem”. Neste cenário, seriam beneficiados 77 mil jovens.
No segundo cenário, o Governo propõe a Bruxelas um reforço das verbas comunitárias, o que permitiria a Portugal alocar para este programa mais de 651 milhões de euros e, assim, beneficiar quase 165 mil jovens.
A hipótese de reprogramar verbas no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) já teve um primeiro sinal com a aprovação em Conselho de Ministros, dia 1 de março, “da rescisão das decisões relativas à aprovação de operações, há mais de seis meses, sem execução física e financeira, e a reavaliação imediata dos programas orientando a sua reprogramação para o crescimento, a competitividade e o emprego”.
O plano estratégico entregue em Bruxelas foi elaborado pela Comissão Interministerial, liderada pelo ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, que contou com os contributos de doze secretários de Estado, tendo sido ouvidos todos os parceiros sociais (CGTP, UGT, CAP, CCP, CIP e CTP) e o Conselho Nacional de Juventude.

Maria Ana G. C. Lima
Nº 13909

Ministérios condenados


O Supremo Tribunal Administrativo condenou 11 ministérios a fornecerem à Associação Sindical de Juízes dados relativos à atribuição de cartões de crédito, telefones, despesas de representação e subsídios de renda dos gabinetes. A decisão remete para processos movidos ao governo de José Sócrates, porém, terão de ser os atuais governantes a viabilizarem a decisão do tribunal.





A questão foi colocada ainda em relação ao Governo de José Sócrates, mas são os actuais ministérios que têm que fornecer os dados relativos a várias despesas dos diversos gabinetes governamentais. Em causa está a utilização de cartões de crédito, de telefones, o pagamento de despesas de representação e de subsídios de residência, cujos documentos foram solicitados pela Associação Sindical do Juízes Portugueses (ASJP), mas que os anteriores governantes procuraram não fornecer.

A decisão é do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que assim dá razão, em definitivo, à associação de juízes. "O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é um direito fundamental", cujo sacrifício só se poderá justificar face a direitos e valores constitucionais idênticos ou superiores, reconhece o acórdão que tem data de 24 de Janeiro. Como exemplo desses valores constitucionais, o STA enumera "os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas".

Foi na sequência das drásticas medidas de austeridade aplicadas aos vencimentos da função pública, em Outubro de 2010, que a ASJP avançou com aquele pedido de informações. Entendiam os juízes que as medidas os atingiam de forma mais gravosa e injustificada, exemplificando com o caso do subsídio de renda, que para os ministros era de 10% e para os magistrados de 20%.

Para além da necessidade geral de contenção de despesas, os representantes sindicais do juízes viam nas medidas a eles especificamente aplicadas uma atitude de retaliação por alguns processos envolvendo governantes. "É a factura de terem incomodado os boys do PS", chegou então a afirmar o presidente da ASJP, António Martins, sugerindo tratar-se de retaliação face às acusações no processo Face Oculta.

Foi precisamente com o intuito de provarem a disparidade na aplicação dos cortes que os juízes quiseram obter documentos sobre as despesas relativas aos gabinetes governamentais, invocando a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos. Queriam municiar-se com vista ao processo negocial que se seguiria, mas as respostas foram no sentido de lhes ser negada a documentação.

O passo seguinte foi a apresentação de processos contra cada um dos ministérios, cujas sentenças foram sendo favoráveis, mas sempre recorridas até chegarem ao STA. O Governo invocava o facto de grande parte dos
 documentos serem de carácter público, que a ASJP já não tinha necessidade deles porque a negociação colectiva já tinha sido concluída e ainda que alguns pagamentos, como os relativos às despesas de representação e subsídio de residência, continham dados pessoais privados.

Nada de relevante, face ao "direito fundamental à informação" e ao "princípio da administração aberta", segundo entenderam os juízes do STA. Os dados pessoais relativos ao recebimento de despesas ou subsídios auferidos no desempenho público "são públicos por exigência legal e não respeitam à vida privada dos seus titulares", refere o acórdão.

O presidente da ASJP, António Martins, diz que espera agora pelos documentos solicitados, lamentando que não os pudessem ter utilizado na negociação com o Governo. "Se a eles tivéssemos tido acesso, teríamos oportunidade de melhor defender os nossos associados", disse ontem ao PÚBLICO, explicando que só depois de uma análise concreta dos documentos que lhes forem fornecidos será decidido o caminho a seguir.

O magistrado frisou também a importância da decisão, "no sentido de que o acesso aos documentos administrativos é um direito que assiste a todos os cidadãos" e garante que a sentença é para cumprir. "Seria inadmissível que os ministérios não cumprissem uma decisão dos tribunais", sublinhou ainda.


Notícia de 07 Fevereiro, 2012

Filipa Faustino e Ferreira - 18123