O Deferimento Tácito e a Acção de Condenação à Prática do Acto Devido
A questão a que se pretende responder é a seguinte: nos casos previstos pelo art. 108º do Código do Procedimento Administrativo - doravante CPA- em que a omissão
administrativa determina a aprovação ou autorização da pretensão do particular,
haverá ainda lugar ao pedido de condenação do art. 67º, n.º1, alínea a) do Código dos Tribunais Administrativos - doravante CPTA?
Vejamos:
O art. 67º, nº 1, alínea a) CPTA corresponde a
situações de inércia ou omissão, em que a Administração incumpre o dever de
decisão perante requerimento apresentado por particular.
A figura do deferimento tácito vem regulada no art.
108º CPA e consiste numa ficção legal de deferimento. Os casos previstos nas
alíneas do nº 3 do art. 108º são hipóteses em que o legislador assumiu que a
regra, segundo a experiência comum, seria a do deferimento. São portanto
situações em que, nos casos expressamente previstos, a lei associa ao decorrer
do prazo para a tomada de decisão a ficção de que a pretensão do particular
está de acordo com as exigências legais e portanto atribui à inércia da
Administração o significado de deferimento.
Será assim de afirmar que o significado atribuído à
ausência de decisão pelo órgão competente substitui, para todos os efeitos, o
acto administrativo omitido?
O Prof. Mário Aroso de Almeida responde positivamente,
considerando, consequentemente, que em situações de deferimento tácito não
haverá lugar à acção de condenação à prática de acto devido (art. 67º, n.º 1,
alínea a) CPTA), uma vez que a produção desse acto já resultou da lei. O Prof.
abre, no entanto, a hipótese de ser proposta uma acção comum para o
reconhecimento de que o acto tácito se produziu (art. 37º, n.º 2, alínea a)
CPTA) ou para a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de
prestar (art. 37º, n.º 2, alínea 3) CPTA). Neste último caso, embora o Prof.
não se pronuncie, a parte do artigo aplicável seria apenas a segunda parte, uma
vez que considera o acto de deferimento tácito como acto administrativo.
Pelo contrário, o nosso Regente, Prof. Vasco Pereira da Silva, separa
a produção de efeitos decorrente da ficção legal e a actuação intencional e
materializada da Administração para admitir que um deferimento tácito possa ser
seguido de uma acção de condenação à prática de acto devido. O Prof. parte do
raciocínio do Prof. Aroso de Almeida – o surgimento de um acto administrativo
em resultado do deferimento tácito – para afirmar que, mesmo que assim fosse,
não seria de afastar a acção condenatória especial, pois esta tanto pode ter
lugar em relação a omissões como a actuações administrativas desfavoráveis.
Considera ainda que, mesmo que se diga que o deferimento tácito é uma ficção
legal com efeitos positivos e por isso, em princípio, favorável ao particular,
o pedido de condenação deve ser admitido pelo menos em duas situações:
1. “ quando o deferimento tácito não corresponda
integralmente às pretensões do particular, pelo que, pode ser considerado como
parcialmente desfavorável”;
2. “quando o deferimento tácito, numa relação jurídica
multilateral, seja favorável em relação a alguns dos sujeitos mas não em
relação aos demais”.
Estas situações em que, para além dos efeitos
positivos decorrentes da ficção legal, existem também efeitos desfavoráveis,
mostram o quão criticável é a figura do deferimento tácito, a qual, perante o
novo contencioso perdeu grande parte da sua razão de ser.
Luís Filipe
Colaço Antunes tem uma afirmação que o demonstra: “a acção para a determinação da prática de acto legalmente
devido bem poderia ter aqui serventia, eliminando esta sombra de verdade
jurídica que é o silêncio positivo”.
João Tiago da Silveira apresenta uma solução que parece ser de criticar porque se afasta imenso daquilo que pretende ser o instituto da condenação à prática do ato devido e que pretende superar a falta de protecção jurídica que advém da ausência de actuação administrativa. Este autor defende a criação de um
método de reconhecimento extra-judicial dos deferimentos tácitos a cargo de uma
entidade externa que emitisse um certificado que valesse como o acto em falta.
Em suma, o deferimento tácito deverá ser
interpretado como mero facto a incluir na norma do art. 67º, n.º 1, alínea a)
CPTA e em nada altera o acesso ao meio processual, integrado na acção especial de condenação à prática de acto devido. Só assim se assegura a garantia dos direitos subjectivos dos particulares, e se atribui maior certeza e
segurança na sua relação com a Administração.
Ana Catarina Teixeira
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