quinta-feira, 24 de maio de 2012



O Deferimento Tácito e a Acção de Condenação à Prática do Acto Devido

A questão a que se pretende responder é a seguinte: nos casos previstos pelo art. 108º do Código do Procedimento Administrativo - doravante CPA-  em que a omissão administrativa determina a aprovação ou autorização da pretensão do particular, haverá ainda lugar ao pedido de condenação do art. 67º, n.º1, alínea a) do Código dos Tribunais Administrativos - doravante CPTA?


Vejamos:
O art. 67º, nº 1, alínea a) CPTA corresponde a situações de inércia ou omissão, em que a Administração incumpre o dever de decisão perante requerimento apresentado por particular.
A figura do deferimento tácito vem regulada no art. 108º CPA e consiste numa ficção legal de deferimento. Os casos previstos nas alíneas do nº 3 do art. 108º são hipóteses em que o legislador assumiu que a regra, segundo a experiência comum, seria a do deferimento. São portanto situações em que, nos casos expressamente previstos, a lei associa ao decorrer do prazo para a tomada de decisão a ficção de que a pretensão do particular está de acordo com as exigências legais e portanto atribui à inércia da Administração o significado de deferimento.

Será assim de afirmar que o significado atribuído à ausência de decisão pelo órgão competente substitui, para todos os efeitos, o acto administrativo omitido?
O Prof. Mário Aroso de Almeida responde positivamente, considerando, consequentemente, que em situações de deferimento tácito não haverá lugar à acção de condenação à prática de acto devido (art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA), uma vez que a produção desse acto já resultou da lei. O Prof. abre, no entanto, a hipótese de ser proposta uma acção comum para o reconhecimento de que o acto tácito se produziu (art. 37º, n.º 2, alínea a) CPTA) ou para a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar (art. 37º, n.º 2, alínea 3) CPTA). Neste último caso, embora o Prof. não se pronuncie, a parte do artigo aplicável seria apenas a segunda parte, uma vez que considera o acto de deferimento tácito como acto administrativo.

Pelo contrário, o nosso Regente, Prof. Vasco Pereira da Silva, separa a produção de efeitos decorrente da ficção legal e a actuação intencional e materializada da Administração para admitir que um deferimento tácito possa ser seguido de uma acção de condenação à prática de acto devido. O Prof. parte do raciocínio do Prof. Aroso de Almeida – o surgimento de um acto administrativo em resultado do deferimento tácito – para afirmar que, mesmo que assim fosse, não seria de afastar a acção condenatória especial, pois esta tanto pode ter lugar em relação a omissões como a actuações administrativas desfavoráveis. Considera ainda que, mesmo que se diga que o deferimento tácito é uma ficção legal com efeitos positivos e por isso, em princípio, favorável ao particular, o pedido de condenação deve ser admitido pelo menos em duas situações:
1. “ quando o deferimento tácito não corresponda integralmente às pretensões do particular, pelo que, pode ser considerado como parcialmente desfavorável”;
2. “quando o deferimento tácito, numa relação jurídica multilateral, seja favorável em relação a alguns dos sujeitos mas não em relação aos demais”.
Estas situações em que, para além dos efeitos positivos decorrentes da ficção legal, existem também efeitos desfavoráveis, mostram o quão criticável é a figura do deferimento tácito, a qual, perante o novo contencioso perdeu grande parte da sua razão de ser. 

Luís Filipe Colaço Antunes tem uma afirmação que o demonstra: “a acção para a determinação da prática de acto legalmente devido bem poderia ter aqui serventia, eliminando esta sombra de verdade jurídica que é o silêncio positivo”.

João Tiago da Silveira apresenta uma solução que parece ser de criticar porque se afasta imenso daquilo que pretende ser o instituto da condenação à prática do ato devido e que pretende superar a falta de protecção jurídica que advém da ausência de actuação administrativa. Este autor defende a criação de um método de reconhecimento extra-judicial dos deferimentos tácitos a cargo de uma entidade externa que emitisse um certificado que valesse como o acto em falta.    

Em suma, o deferimento tácito deverá ser interpretado como mero facto a incluir na norma do art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA e em nada altera o acesso ao meio processual, integrado na acção especial de condenação à prática de acto devido. Só assim se assegura a garantia dos direitos subjectivos dos particulares, e se atribui maior certeza e segurança na sua relação com a Administração.

Ana Catarina Teixeira
16449


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.