quinta-feira, 10 de maio de 2012

DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS NAS ACÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTIDADES COM PODERES DE AUTORIDADE


Da competência dos tribunais administrativos e fiscais nas acções de responsabilidade civil de entidades com poderes de autoridade

- O exemplo das concessionárias-


Tem sido comum nos nossos tribunais a discussão da (in)competência dos tribunais administrativos e fiscais para conhecimento de determinadas questões, nomeadamente quando envolvam entidades concessionárias, que gozam e exercem poderes de autoridade.



Tal é visível, por exemplo, em acções de responsabilidade civil envolvendo concessionárias, quando está em causa a alegada a violação de normas enquadráveis no âmbito do direito administrativo, ao abrigo das quais estão autorizadas a exercer poderes de autoridade. Coloca-se, primeiramente, a questão de delimitar a causa, de modo a que se conclua pelo enquadramento no direito administrativo e pelo exercício de poderes de autoridade no caso concreto. Além disso, a competência dos tribunais terá depois de ser determinada.



A jurisprudência tem entendido que os tribunais administrativos são os competentes para situações como a referida.



Veja-se o caso da Estradas de Portugal, S.A., que permanentemente se vê confrontada com acções de responsabilidade civil intentadas em tribunais judiciais, quando o deveriam ser nos tribunais administrativos. A Estradas de Portugal SA é uma sociedade anónima de capitais públicos, assim transformada pelo Decreto-lei n.º 374/2007 de 7 de Novembro.



Segundo o art. 4º do Decreto-lei n.º 374/2007, a “EP – Estradas de Portugal, S.A. tem por objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos do contrato de concessão que com ela é celebrado pelo Estado.



A Estradas de Portugal, S.A. é ainda uma concessionária de serviços públicos, estando até responsável pela condução e realização de processos expropriativos. Por outras palavras, a Estradas de Portugal exerce poderes públicos de autoridade.



Do mesmo modo, as concessionárias de autoestradas que sejam pessoas colectivas de capitais privados, são concessionárias dos serviços públicos de concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de autoestrada, nos termos definidos em contratos de concessão vários, acessíveis online.



Face ao exposto, parece ter aplicação nos casos de responsabilidade civil destas entidades no âmbito dos poderes de autoridade o disposto no art. 4º, nº 1, als. a), d) e i), do ETAF, que determina o seguinte:

“1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;

i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; “



Do preceito decorre que a jurisdição administrativa é competente sempre que, sendo a responsabilidade imputada a sujeitos privados, essa responsabilidade se funde em actos regidos pelo direito público ou, como também se pode dizer, em actos de autoridade.



Importa ter presente também o que estabelece o art. 1°, n.° 5 da Lei n.º 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas):“as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo” (sublinhado nosso).



Esta disposição leva à aplicação do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, no que toca a acções ou omissões levadas a cabo «no exercício de prerrogativas de poder público» ou que sejam «regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».



Deste modo, desde que as pessoas colectivas de direito privado (e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares) actuem em moldes de direito público, desenvolvam uma actividade administrativa, deve aplicar-se às suas acções e omissões o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado.



No art. 1º, n.° 5 da Lei n.º 67/2007 concretiza-se o disposto no art. 4º, n.° 1, al. i) do ETAF, que atribuiu competência aos tribunais administrativos e fiscais para apreciar (e decidir) a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.



Nos termos do art. 1°, n.° 5 da Lei n.º 67/2007, são dois os factores determinativos do conceito de actividade administrativa: o primeiro refere-se ao exercício de prerrogativas de poder público, o que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade; o segundo respeita a actividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, o que significa que os respectivos exercícios deverão ser regulados por disposições ou princípios de direito administrativo.



Façamos, no entanto, uma breve referência ao que a jurisprudência tem referido a este propósito:



A Relação de Lisboa refere, em acórdão de 30 de Junho de 2011, proc. 1394/10.5YXLSB-7, o seguinte:

“Todavia, veio, posteriormente, a determinar-se a aplicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Isto significa que sempre que entidades de direito privado desenvolvam uma actividade administrativa, no que se refere às acções de responsabilidade civil, há um nexo funcional com a Administração Pública. E parece-nos precisamente que é o caso: a R. é uma entidade que goza do exercício de prerrogativas de poder público (por via contrato de concessão), por ter sido incumbida da execução de tarefas públicas e, como tal, investida de poderes de autoridade.

Deste modo, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a competência material para julgar o pleito pertence ao Tribunal Administrativo [art.º 4 n.º 1 i) do ETAF e artº1 n.º5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidade Públicas, aprovado pela lei n.º 67/2007]." (destaque nosso)



Como bem se lembra também no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2 de Julho de 2009, relator Rosa Tching, proc. 2 903/08.5TBVCT-A.G1, disponível em www.dgsi.pt:



“E, por outro lado, que são dois os factores indicativos do conceito de actividade administrativa.

Um constituído pelo exercício de prerrogativas de poder público, ou seja, quando, para a execução de tarefas públicas de que sejam incumbidas, lhes sejam outorgados poderes de autoridade.



Um outro, pela vinculação do exercício da actividade a um regime de direito administrativo, isto é, quando intervenham no exercício de tarefas que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.



Significa isto, no dizer de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, que a submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da administração terá de ser definida casuisticamente em função da natureza jurídica dos poderes que tais entidades tenham exercitado em dada situação concreta ou da sua subordinação a um regime de direito administrativo.



E toda esta dicotomia está presente nas entidades concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, que poderá ser um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público”



No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de Novembro de 2011, relator Mário Fernandes, apelação nº  9806/09.4TBVNG.P1 - 3ª Secção: “Assim, a Ré, enquanto entidade privada concessionária da aludida autoestrada, foi chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão pública – aí se inserindo os aspectos atinentes à sua exploração, conservação e fiscalização – através de uma contrato administrativo, a impor que as suas acções e omissões conexionadas com essa finalidade estejam reguladas por disposições e princípios de direito administrativo”.

                                                                                                                                                                          

Mais, e como esclarece Vieira de Andrade, in “A justiça administrativa (Lições), 6ª ed., Coimbra, Almedina, p. 127, “a alínea i) limita o conhecimento pelos tribunais administrativos das acções de responsabilidade de sujeitos privados — entre os quais parecem estar incluídos os entes privados de “mão pública” (os “falsos privados”) e os privados que exerçam poderes públicos, designadamente os concessionários — em função da aplicabilidade do regime substantivo específico da responsabilidade de direito público” (sublinhados nossos).

O CPTA vem prever expressamente a possibilidade de, através de acção administrativa comum, se pedir a condenação da administração à reparação dos danos produzidos (art. 37º, nº 2, alínea f)).



Como aqui se procura demonstrar, resulta inequivocamente da lei, e tem sido o entendimento da doutrina e jurisprudência, que são da competência da jurisdição administrativa as acções de responsabilidade civil intentadas contra entidades privadas que gozem de poderes de autoridade, aqui dadas como exemplo as concessionárias.



Em conclusão, os tribunais judiciais são materialmente incompetentes em situações como as expostas, por violação do art. 4º, nº 1, als. a), b) e i), do ETAF, e à luz do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.



Rita Gehl Braz

Nº 16840

Subturma 1, 4º ano Noite




 


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