Ação popular
1.
Considerações
gerais.
Este
instituto caracteriza-se pela faculdade atribuída, por Lei, aos cidadãos para
que possam, mediante recurso ao contencioso, reagir perante atentados a bens
jurídicos coletivos quer seja de modo a protestar contra uma infração ou com um
objetivo preventivo face àqueles bens coletivos, enunciados no nº 3 do artigo
52º da Constituição da República Portuguesa (CRP), conforme o número 1 do
artigo 1º da Lei 83/95, de 31 de Agosto (Lei da ação popular – LAP).
Este
diploma surgiu um pouco “atrasado” face ao enunciado constitucional que a
reclamava (Art.º 52 CRP) e embora conformasse um generoso e inovador avanço na
tutela dos bens jurídicos que almejava proteger, não surdiu enquanto um
instituto totalmente novo no nosso ordenamento jurídico, uma vez que já o
artigo 822º do Código Administrativo, em sede de deliberações dos órgãos das
autarquias locais, já previa a possibilidade de recurso contencioso por parte
de qualquer cidadão eleitor ou contribuinte, desde que recenseado ou coletado
nessa mesma autarquia. Como refere LEBRE DE FREITAS, a ação popular que em 1995
nasceu acaba por ter a mesma natureza que a prevista no antigo artigo 822º do
Código Administrativo, embora com um âmbito de aplicação distinto, o dos
interesses coletivos e difusos, conforme se os números 1 e 3 do art.º 52 CRP e
ainda o artigo 1º LAP.
Assim,
ainda que com necessidade de alguma densificação (que será feita infra neste excurso), podemos
caracterizar o instituto em análise como um modo de tutela de interesses
difusos (daí VASCO PEREIRA DA SILVA se referir a este instituto como um modo de
defesa da legalidade e do interesse
público), mediante uma extensão da legitimidade procedimental e processual,
onde se dispensa um interesse direto do autor na demanda, tornando-se este,
como refere a regência, num sujeito nas
relações procedimentais e processuais quando não o foi no plano substantivo,
o que se consubstancia num modo de tutela que acresce à protecção jurídica
subjetiva.
2.
Traços
de regime
Citando
FABER, VASCO PEREIRA DA SILVA, nas suas lições de direito do ambiente, refere,
acerca das decisões administrativas, que “o que releva não são tanto as
decisões de situações concretas relativamente a pessoas determinadas, mas sim as
que criam condições gerais para que tais medidas aconteçam ”, sendo este género
de decisões (as gerais) enquadradas no que a regência denomina de dimensão multilateral das decisões, uma
vez que são susceptíveis de surtirem efeitos que afetam um grande número de
pessoas, incluindo-se aquelas que à situação são terceiros. Se se preferir, são
situações susceptíveis de produzirem externalidades, tendo este regime, que ora
expomos, sido criado com o intuito de corrigir o que de negativo destas
externalidades possa surgir.
No
plano da legitimidade, diga-se que a
pedra de toque deste regime reside na parte final do número 1 do artigo 2º
LAP, onde se dispensa o interesse direto dos interessados para intentarem uma
ação ao abrigo deste regime. Dizemos pedra
de toque precisamente porque todo o regime se deve moldar a esta
característica de regime, visto ser o espelho da sua thelos com origem constitucional, o de objetivar a defesa por
particulares de um conjunto de bens jurídicos que se apresentam como da
coletividade.
Atente-se
que o artigo 4º /1 LAP, embora faça depender a participação prévia dos
interessados no procedimento de um susceptível dano para os seus interesses,
não deve ser entendida como a norma geral acerca de legitimidade procedimental,
visto que ao estender também na sua letra a intervenção por interesses
altruístas de defesa da legalidade e interesse público possibilita a
intervenção no procedimento a outros que não os eventuais alvos de uma lesão direta.
Diga-se, assim, que a presente norma torna ainda possível a participação de
pessoas ou grupos de pessoas para a defesa de interesses homogéneos, cuja
individualização seria quase que impossível. Face ao exposto deve ser o
conceito de “interessado entendido” no seu sentido mais amplo como que
abarcando a mera existência de um interesse fático e não necessariamente de um
situação de titularidade de uma posição substantiva, visto que tal inutilizaria
o presente regime, dado que já a regulação geral acerca da legitimidade abarca
a tricotomia direitos subjetivos/interesses legalmente protegidos/interesses
difusos, conforme resulta do artigo 53º do código do procedimento
administrativo, nomeadamente dos seus números 1 e 2.
Chama
ainda à atenção, a regência, para o fato de a formulação do artigo 4º /1
encerrar uma confusão entre a dimensão objetiva e subjetiva da tutela, sendo
que esta vertente objetiva diz respeito ao conjunto de princípios e valores
conformadores de toda a ordem jurídica que estabelecem deveres de atuação e deveres
de concretização e a perspetiva subjetiva apresenta-se como direitos de defesa
contra agressões de privados e entes públicos. Ora não é da tutela subjetiva
que este diploma trata.
Novamente quanto ao artigo 2º LAP, faz este
ainda referência, ainda no seu número 1, da possibilidade de intervenção de
pessoas coletivas que, conjugado com o artigo 3º b), lhes limita a legitimidade
ao seu objeto estatutário, portanto, fazendo depender a sua intervenção do
principio da especialidade. Entende a regência que, em função da sistemática e
teleologia, se deverá fazer uma interpretação corretiva desta norma,
permitindo-se que os entes coletivos possam participar nas ações mesmo que o
seu objeto seja distinto do assunto que se versa no pleito judicial, novamente
em virtude da não exigência de interesse direto que o número 1 do artigo 2º faz,
podendo assim estas entidades participar desde que detenham um interesse de
participação num procedimento de massas relativo a um dos temas do artigo 52º
CRP. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao artigo 4º /1, na parte que faz
referência às pessoas coletivas.
O
artigo 2º/2 atribui ainda legitimidade a autarquias locais em relação a
interesses de que sejam titulares residentes na sua área de circunscrição. À
semelhança da doutrina regente, também a nós nos parece que este não seria o melhor
lugar para que tal disposição fosse colocada, dado que se não trata de um modo
de ação popular, antes sendo, outrossim, um caso de defesa de interesses dos
residentes de cada autarquia, o que enquadra ainda nas atribuições destas
pessoas coletivas. A colocação deste preceito nesta sede causa alguma
estranheza, visto que deveria ser concebido como um instrumento geral e não
especial, pela importância que detém.
Prevê
este diploma, nos seus artigos 12º a 21º um procedimento especial a observar
aquando da aplicação deste regime. Atente-se que a regulação processual
especial que se apresenta não se substitui, na prática, a toda a regulação que
couber por força do CPTA, antes devendo ser enxertada
no processo que estiver a correr com as devidas adaptações. Não é assim de um
processo autónomo que se trata, antes de um trecho de tramitação processual a
ser adaptado na forma de processo que for competente para a causa.
3. Efeitos do caso julgado.
Um
outro traço deste regime que deve ser analisado é a extensão do caso julgado de
uma sentença proferida ao abrigo da LAP. Cumpre assim analisar os artigos 14º,
15º e 16º. Nos termos do artigo 14º o autor atua em tribunal como representante
dos demais interessados na causa, com exceção daqueles que, em litisconsórcio
com este atuem e ainda aqueloutros que, após citação edital ou por meios de
comunicação social (art.º 5 LAP), expressamente renunciem a essa representação,
conforme tratam os artigos 14º e 15º. Assim, face aos representados, produz a
sentença caso julgado material, com exceção da improcedência da lide por
insuficiência de prova ou quando o juiz, com base nos circunstancialismos do
caso julgue de forma diferente da normal (art.º 19 LAP). Ora este género de
efeitos da sentença pode propiciar efeitos danosos para os interessados, uma
vez que contra eles poderá vir a valer uma sentença para a qual estes em nada
ajudaram a produzir. Acresce que os tipos de citação escolhidos pela presente
Lei não garantem um conhecimento efetivo, não parecendo assim suficiente que se
baste este regime com a disponibilização ao público da informação em suportes
que não é líquido que leiam para que se lhes possa ser oposta uma sentença
judicial, não tendo em conta os danos que se podem produzir, tendo em conta a
importância dos bens jurídicos tutelados. Esta solução parece ainda contrária
ao espirito que motivou a presente Lei, que foi o de permitir o acesso a
tribunais mesmo por aqueles que não detenham uma posição substantiva face a uma
situação, não parecendo coerente que se lhes possam impor uma sentença
transitada em julgado, apenas com base na presunção de que, por virtude de uma
citação edital ou com base numa publicação num meio de comunicação social, os
mesmos da causa conheciam e como refere LEBRE DE FREITAS o conceito de representação, que pressupõe uma procuração ou uma
mandato, não pode servir de alibi a esta violação do direito fundamental a
uma tutela jurisdicional efetiva.
Mesmo
os fundamentos da exceção de extensão de efeitos do caso julgado, plasmados no
artigo 19º LAP levantam algumas duvidas. Quando o referido preceito aceita que
o juiz possa com base no caso concreto, e logo em função do autor da causa,
decidir de forma diferente do que faria normalmente, tal equivale a negar-se
qualquer existência de uma relação jurídica de representação, o fundamenta
ainda mais a opinião de que a extensão dos efeitos do caso julgado a terceiros
que não foram partes na causa em sentido próprio será inconstitucional, visto
que a existir representação, teria o processo de se ocupar de também dos
efeitos da sentença face a esses terceiros, fossem eles determinados ou indeterminados.
Mesmo no caso de improcedência por falta de meios de prova, diga-se que este
não é o único caso que se justificaria uma exceção deste género. Pense-se, como
refere LEBRE DE FREITAS, no caso de uma ação em que tenham sido tidos como
provados fatos que, embora favoráveis ao réu o não são face ao autor ou ainda o
caso de alegação de uma causa de pedir insuficiente para a procedência da ação.
Estes casos espelham bem o perigo que se corre com o tratamento dado aos
efeitos da sentença transitada, dado que existe sempre a hipótese de conluio
entre o autor e a administração sem o conhecimento dos restantes interessados
que, face à omissão do artigo 19º, verão as suas pretensões paralisadas por um
caso julgado que não ajudaram a construir.
Referências
Bibliográficas:
·
Justiça Administrativa, Vieira de
Andrade;
·
Lições de Processo Administrativo,
Vieira de Andrade;
·
Da Constituição Verde para as Relações
Jurídicas Multilaterais;
·
Legitimidade processual e ação popular
no Direito ao ambiente, Miguel Teixeira de Sousa;
Ana Ferreira 16493
Bruno Barradas 16526
Pedro Antunes 18348
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