segunda-feira, 23 de abril de 2012

A acção popular


Ação popular

1.      Considerações gerais.
Este instituto caracteriza-se pela faculdade atribuída, por Lei, aos cidadãos para que possam, mediante recurso ao contencioso, reagir perante atentados a bens jurídicos coletivos quer seja de modo a protestar contra uma infração ou com um objetivo preventivo face àqueles bens coletivos, enunciados no nº 3 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa (CRP), conforme o número 1 do artigo 1º da Lei 83/95, de 31 de Agosto (Lei da ação popular – LAP).
Este diploma surgiu um pouco “atrasado” face ao enunciado constitucional que a reclamava (Art.º 52 CRP) e embora conformasse um generoso e inovador avanço na tutela dos bens jurídicos que almejava proteger, não surdiu enquanto um instituto totalmente novo no nosso ordenamento jurídico, uma vez que já o artigo 822º do Código Administrativo, em sede de deliberações dos órgãos das autarquias locais, já previa a possibilidade de recurso contencioso por parte de qualquer cidadão eleitor ou contribuinte, desde que recenseado ou coletado nessa mesma autarquia. Como refere LEBRE DE FREITAS, a ação popular que em 1995 nasceu acaba por ter a mesma natureza que a prevista no antigo artigo 822º do Código Administrativo, embora com um âmbito de aplicação distinto, o dos interesses coletivos e difusos, conforme se os números 1 e 3 do art.º 52 CRP e ainda o artigo 1º LAP.
Assim, ainda que com necessidade de alguma densificação (que será feita infra neste excurso), podemos caracterizar o instituto em análise como um modo de tutela de interesses difusos (daí VASCO PEREIRA DA SILVA se referir a este instituto como um modo de defesa da legalidade e do interesse público), mediante uma extensão da legitimidade procedimental e processual, onde se dispensa um interesse direto do autor na demanda, tornando-se este, como refere a regência, num sujeito nas relações procedimentais e processuais quando não o foi no plano substantivo, o que se consubstancia num modo de tutela que acresce à protecção jurídica subjetiva.       

2.      Traços de regime
Citando FABER, VASCO PEREIRA DA SILVA, nas suas lições de direito do ambiente, refere, acerca das decisões administrativas, que “o que releva não são tanto as decisões de situações concretas relativamente a pessoas determinadas, mas sim as que criam condições gerais para que tais medidas aconteçam ”, sendo este género de decisões (as gerais) enquadradas no que a regência denomina de dimensão multilateral das decisões, uma vez que são susceptíveis de surtirem efeitos que afetam um grande número de pessoas, incluindo-se aquelas que à situação são terceiros. Se se preferir, são situações susceptíveis de produzirem externalidades, tendo este regime, que ora expomos, sido criado com o intuito de corrigir o que de negativo destas externalidades possa surgir.
No plano da legitimidade, diga-se que a pedra de toque deste regime reside na parte final do número 1 do artigo 2º LAP, onde se dispensa o interesse direto dos interessados para intentarem uma ação ao abrigo deste regime. Dizemos pedra de toque precisamente porque todo o regime se deve moldar a esta característica de regime, visto ser o espelho da sua thelos com origem constitucional, o de objetivar a defesa por particulares de um conjunto de bens jurídicos que se apresentam como da coletividade.
Atente-se que o artigo 4º /1 LAP, embora faça depender a participação prévia dos interessados no procedimento de um susceptível dano para os seus interesses, não deve ser entendida como a norma geral acerca de legitimidade procedimental, visto que ao estender também na sua letra a intervenção por interesses altruístas de defesa da legalidade e interesse público possibilita a intervenção no procedimento a outros que não os eventuais alvos de uma lesão direta. Diga-se, assim, que a presente norma torna ainda possível a participação de pessoas ou grupos de pessoas para a defesa de interesses homogéneos, cuja individualização seria quase que impossível. Face ao exposto deve ser o conceito de “interessado entendido” no seu sentido mais amplo como que abarcando a mera existência de um interesse fático e não necessariamente de um situação de titularidade de uma posição substantiva, visto que tal inutilizaria o presente regime, dado que já a regulação geral acerca da legitimidade abarca a tricotomia direitos subjetivos/interesses legalmente protegidos/interesses difusos, conforme resulta do artigo 53º do código do procedimento administrativo, nomeadamente dos seus números 1 e 2.  
Chama ainda à atenção, a regência, para o fato de a formulação do artigo 4º /1 encerrar uma confusão entre a dimensão objetiva e subjetiva da tutela, sendo que esta vertente objetiva diz respeito ao conjunto de princípios e valores conformadores de toda a ordem jurídica que estabelecem deveres de atuação e deveres de concretização e a perspetiva subjetiva apresenta-se como direitos de defesa contra agressões de privados e entes públicos. Ora não é da tutela subjetiva que este diploma trata.
 Novamente quanto ao artigo 2º LAP, faz este ainda referência, ainda no seu número 1, da possibilidade de intervenção de pessoas coletivas que, conjugado com o artigo 3º b), lhes limita a legitimidade ao seu objeto estatutário, portanto, fazendo depender a sua intervenção do principio da especialidade. Entende a regência que, em função da sistemática e teleologia, se deverá fazer uma interpretação corretiva desta norma, permitindo-se que os entes coletivos possam participar nas ações mesmo que o seu objeto seja distinto do assunto que se versa no pleito judicial, novamente em virtude da não exigência de interesse direto que o número 1 do artigo 2º faz, podendo assim estas entidades participar desde que detenham um interesse de participação num procedimento de massas relativo a um dos temas do artigo 52º CRP. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao artigo 4º /1, na parte que faz referência às pessoas coletivas.
O artigo 2º/2 atribui ainda legitimidade a autarquias locais em relação a interesses de que sejam titulares residentes na sua área de circunscrição. À semelhança da doutrina regente, também a nós nos parece que este não seria o melhor lugar para que tal disposição fosse colocada, dado que se não trata de um modo de ação popular, antes sendo, outrossim, um caso de defesa de interesses dos residentes de cada autarquia, o que enquadra ainda nas atribuições destas pessoas coletivas. A colocação deste preceito nesta sede causa alguma estranheza, visto que deveria ser concebido como um instrumento geral e não especial, pela importância que detém.
Prevê este diploma, nos seus artigos 12º a 21º um procedimento especial a observar aquando da aplicação deste regime. Atente-se que a regulação processual especial que se apresenta não se substitui, na prática, a toda a regulação que couber por força do CPTA, antes devendo ser enxertada no processo que estiver a correr com as devidas adaptações. Não é assim de um processo autónomo que se trata, antes de um trecho de tramitação processual a ser adaptado na forma de processo que for competente para a causa.

3.      Efeitos do caso julgado.
Um outro traço deste regime que deve ser analisado é a extensão do caso julgado de uma sentença proferida ao abrigo da LAP. Cumpre assim analisar os artigos 14º, 15º e 16º. Nos termos do artigo 14º o autor atua em tribunal como representante dos demais interessados na causa, com exceção daqueles que, em litisconsórcio com este atuem e ainda aqueloutros que, após citação edital ou por meios de comunicação social (art.º 5 LAP), expressamente renunciem a essa representação, conforme tratam os artigos 14º e 15º. Assim, face aos representados, produz a sentença caso julgado material, com exceção da improcedência da lide por insuficiência de prova ou quando o juiz, com base nos circunstancialismos do caso julgue de forma diferente da normal (art.º 19 LAP). Ora este género de efeitos da sentença pode propiciar efeitos danosos para os interessados, uma vez que contra eles poderá vir a valer uma sentença para a qual estes em nada ajudaram a produzir. Acresce que os tipos de citação escolhidos pela presente Lei não garantem um conhecimento efetivo, não parecendo assim suficiente que se baste este regime com a disponibilização ao público da informação em suportes que não é líquido que leiam para que se lhes possa ser oposta uma sentença judicial, não tendo em conta os danos que se podem produzir, tendo em conta a importância dos bens jurídicos tutelados. Esta solução parece ainda contrária ao espirito que motivou a presente Lei, que foi o de permitir o acesso a tribunais mesmo por aqueles que não detenham uma posição substantiva face a uma situação, não parecendo coerente que se lhes possam impor uma sentença transitada em julgado, apenas com base na presunção de que, por virtude de uma citação edital ou com base numa publicação num meio de comunicação social, os mesmos da causa conheciam e como refere LEBRE DE FREITAS o conceito de representação, que pressupõe uma procuração ou uma mandato, não pode servir de alibi a esta violação do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva.
Mesmo os fundamentos da exceção de extensão de efeitos do caso julgado, plasmados no artigo 19º LAP levantam algumas duvidas. Quando o referido preceito aceita que o juiz possa com base no caso concreto, e logo em função do autor da causa, decidir de forma diferente do que faria normalmente, tal equivale a negar-se qualquer existência de uma relação jurídica de representação, o fundamenta ainda mais a opinião de que a extensão dos efeitos do caso julgado a terceiros que não foram partes na causa em sentido próprio será inconstitucional, visto que a existir representação, teria o processo de se ocupar de também dos efeitos da sentença face a esses terceiros, fossem eles determinados ou indeterminados. Mesmo no caso de improcedência por falta de meios de prova, diga-se que este não é o único caso que se justificaria uma exceção deste género. Pense-se, como refere LEBRE DE FREITAS, no caso de uma ação em que tenham sido tidos como provados fatos que, embora favoráveis ao réu o não são face ao autor ou ainda o caso de alegação de uma causa de pedir insuficiente para a procedência da ação. Estes casos espelham bem o perigo que se corre com o tratamento dado aos efeitos da sentença transitada, dado que existe sempre a hipótese de conluio entre o autor e a administração sem o conhecimento dos restantes interessados que, face à omissão do artigo 19º, verão as suas pretensões paralisadas por um caso julgado que não ajudaram a construir.        






Referências Bibliográficas:
·        Justiça Administrativa, Vieira de Andrade;
·        Lições de Processo Administrativo, Vieira de Andrade;
·        Da Constituição Verde para as Relações Jurídicas Multilaterais;
·        Legitimidade processual e ação popular no Direito ao ambiente, Miguel Teixeira de Sousa;     
                 



Ana Ferreira 16493
Bruno Barradas 16526
Pedro Antunes 18348

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